segunda-feira, 15 de setembro de 2008

dualidades...tonalidades...

uma felicidade toma conta de mim quando te vejo,
uma tristeza toma conta de mim quando me afasto de você....

quero tê-lo todos os dias...
não é possível tê-lo todos os dias...

agora a tristeza está em mim...

A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE


Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!

Baudelaire


EMBRIAGUEM-SE

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.


Baudelaire

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

felicidade

O que é a felicidade?
Será um estado de espirito ou um estado de graça?

sábado, 5 de julho de 2008

fake

as vezes temos que fingir que somos idiotas, para podermos seguir em frente...
temos que engolir certas coisas...
mas será que agindo desta forma estamos sendo realmente sinceros como o nosso Eu interior, ou apenas estamos convencionando as coisas?
amoxilina 500 mg.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

amor(s)

ninguem ama sozinho, o amor não pode estar no singular. Ele não existe por um, é no plural que ele se concretiza.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Chega de Saudade, Vinícius de Morais e Tom Jobim

Vai minha tristeza e diz à ela que sem ela não pode ser. Diz-lhe numa prece que ela regresse, porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade, a realidade é que sem ela não há paz, não há beleza é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai...
Mas se ela voltar, se ela voltar, que coisa linda... que coisa louca... pois há menos peixinhos a nadar no mar, do que os beijinhos que eu darei na sua boca.
Dentro dos meus braços, os abraços hão de ser milhões de abraços: apertado assim, colado assim, calado assim; abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, que é para acabar com esse negócio de voce viver sem mim,nao quero mais esse negócio de voce longe de mim.
Vai minha tristeza e diz à ela que sem ela não pode ser. Diz-lhe numa prece que ela regresse, porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade, a realidade é que sem ela não há paz, não há beleza é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai...
Mas se ela voltar, se ela voltar, que coisa linda... que coisa louca... pois há menos peixinhos a nadar no mar, do que os beijinhos que eu darei na sua boca.
Dentro dos meus braços, os abraços hão de ser milhões de abraços: apertado assim, colado assim, calado assim; abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim.
Não quero mais esse negócio de você viver assim!
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

História em Herbert Marcuse

Le Monde Diplomatique / outubro 2000

HISTÓRIA/MARCUSE
O filósofo e o nazismo
Contrariando a onda liberal da época, Marcuse defendia que totalitarismo e capitalismo não são termos contraditórios, pois o capitalismo é um sistema que regulamenta a totalidade das relações sociais

Raffaele Laudani

Num artigo de 1976, Herbert Marcuse anunciava o advento de uma nova ordem autoritária que havia encontrado nos Estados Unidos sua forma mais evoluída. Esta nova ordem é o que hoje é chamado de globalização: um sistema capaz de utilizar sabiamente sejam "as formas tradicionais da repressão política exercidas pelas forças da ordem" — como a violência, as sanções econômicas e a discriminação —, seja "um aparelho de doutrinação técnica e ideológica em constante aperfeiçoamento" — como os meios de comunicação, a escola etc, [1] formas de controle social que o filósofo alemão considerava típicos do mundo unidimensional do período pós-Segunda Guerra Mundial e que a nova ordem neoliberal tratava de intensificar. [2] É menos conhecido que — em dois ensaios datando de 1942, até hoje inéditos: State and Individual under National Socialism (O Estado e o Indivíduo sob o Nacional-Socialismo) e The New German Mentality (A Nova Mentalidade Alemã) [3] — Marcuse observou as mesmas características no regime nazista.
Desenvolvida nos anos de sua colaboração com os serviços secretos norte-americanos, a reflexão de Marcuse se inscreve no quadro do debate, então bastante animado, sobre a natureza e o sentido do regime nazista. Debate para o qual contribuíram amplamente intelectuais de origem judia recém-chegados aos Estados Unidos. O filósofo alemão era então um dos principais representantes da "Escola de Frankfurt", uma das principais correntes marxistas heterodoxas que não se identificavam com a linha oficial da 3ª Internacional — para a qual o nazismo não passava de uma "ditadura aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro". [4]
Debate sobre o totalitarismo
No interior do grupo de Frankfurt existiam, porém, posições divergentes. Sustentada por Max Horkheimer e Friedrich Pollock, uma primeira linha de interpretação descrevia o nazismo como uma forma de capitalismo de Estado, uma nova ordem que sucedia ao capitalismo no lugar do socialismo, invertendo a relação tradicional de dependência da política em relação à economia (um raciocínio que levaria Horkheimer, depois da guerra, a substituir a categoria marxista de "classe" pela de "racket"). A segunda, sustentada por Franz Neumann, Arkadij Gurland e Otto Kirchheimer, e mais conforme ao marxismo, preferia descrever o regime nazista como uma forma de "capitalismo monopolista totalitário", sublinhando seu caráter de continuidade com a estrutura hierárquica da ordem capitalista. [5]
Igualmente emigrados para os Estados Unidos, outros intelectuais alemães, como Ernst Fraenkel, viam no nazismo a coexistência de um "Estado normativo" (necessário para garantir o funcionamento de uma economia que permanecia capitalista) e de um "Estado discricionário" (que operava em torno de um quadro jurídico insignificante, com base num puro critério de "oportunidade política" visando, em primeiro lugar, aos "inimigos" do regime) [6] Estas reflexões baseiam-se, em seguida, no debate sobre o totalitarismo, para o qual contribuiu de maneira fundamental uma outra exilada alemã de origem judia, Hannah Arendt.
A racionalidade da eficiência e da precisão
Em sua obra, o campo de extermínio, como lugar de suspensão do direito e como lugar de desestruturação e de reconstrução do humano, torna-se a metáfora emblemática de uma forma política inédita, mas profundamente enraizada no construtivismo racionalista moderno, convencido que tudo pode ser modificado pela ideologia, compreendendo aí a "condição humana". [7]
Em relação a estas contribuições, a posição de Marcuse inscreve-se transversalmente à perspectiva marxista, embora com raízes nela. Contrariamente à onda liberal, [8] totalitarismo e capitalismo não são, para ele, termos contraditórios, pois o capitalismo é um sistema que regulamenta a totalidade das relações sociais. Ao longo do século XX, esse caráter inveterado do capital aparece manifesto, e o sistema torna-se, segundo Marcuse, totalitário. As palavras "monopolista" e "totalitário" (e, mais tarde, "unidimensional") são assim quase sinônimos, e representam as duas faces de um mesmo fenômeno, no qual "a sociedade em sua totalidade se levanta contra os interesses particulares" através de uma nova forma de racionalidade: a racionalidade técnica, baseada sobre os critérios da eficiência e da precisão.
Uma forma de tecnocracia
A expressão "totalitarismo" é para Marcuse, portanto, um conceito genérico que serve para explicar a nova tendência do capitalismo como sistema, tendência essa que se manifesta sob formas históricas diversas, em personificações da totalidade (nazi-fascismo, comunismo soviético e Estado de bem-estar social) que, não obstante sua especificidade, são frutos do desenvolvimento do capital monopolista.
O estudo do modelo nacional-socialista representa, para Marcuse, a primeira tentativa de analisar estas formas históricas da totalidade, às quais sucederão as contribuições mais conhecidas sobre o marxismo soviético e sobre as democracias liberais ocidentais. [9] O filósofo alemão visa em particular ao repúdio das teses opostas, mas simétricas, que descrevem o nazismo simplesmente como uma revolução ou como uma restauração da ordem alemã tradicional. O regime nazista não modificou as relações de produção, nem, muito menos, ultrapassou a contradição fundamental entre capital e trabalho. Não obstante isso, o Estado nazista tem pouco em comum com a estrutura do velho Reich e produziu uma inegável modernização técnica do país. O nazismo — explica Marcuse — é uma forma de tecnocracia: "As considerações técnicas da eficiência imperialista e da racionalidade extrema substituem os critérios tradicionais de rentabilidade e bem-estar geral". [10]
Opressão totalitária e penúria
O reino do terror, na Alemanha nazista, não foi sustentado exclusivamente pela força bruta, mas também "pela manipulação engenhosa do poder inerente à tecnologia: a intensificação do trabalho, a propaganda, a formação dos jovens e dos trabalhadores, a organização da burocracia governamental, industrial e de partido — todos instrumentos de terror cotidiano do nazismo — se conformam às diretrizes da máxima eficiência tecnológica". [11] A realidade nacional-socialista é aquela de um Estado-máquina que parece se mover em virtude de sua própria necessidade, a da expansão econômica e da produção de massa. Com o advento da racionalidade tecnológica, o livre sujeito econômico torna-se "objeto de uma organização e coordenação em grande escala e a realização das capacidades individuais transforma-se em eficiência padronizada".
"A racionalidade tecnológica — explica Marcuse — é, ao mesmo tempo, a padronização e a concentração monopolista." A tecnologia é "um modo de produção", "uma maneira de organizar e de perpetuar (ou transformar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos hábitos dominantes, um instrumento para o controle e a dominação". O nacional-socialismo, neste sentido, representa "um exemplo evidente das modalidades com as quais uma economia altamente racionalizada e mecanizada — e que possui o máximo de eficiência produtiva — pode operar no interesse da opressão totalitária e perpetuar um regime de penúria". [12]
A "mobilização total"
O sistema nacional-socialista é, portanto, uma resposta capitalista e autoritária às transformações econômicas e sociais que ocorreram ao longo do século XX. Ao comentar um discurso de Adolf Hitler aos industriais, de 1932, Marcuse destaca como os interesses da grande indústria são ainda aqueles em torno dos quais é construída a organização econômica do III Reich. Esses interesses, no entanto, se sujeitam à nova fase monopolista de acumulação de capital que, para sustentar o crescimento da competição no mercado mundial, impõe uma "transformação das relações econômicas em relações políticas". A dominação e a expansão políticas devem não somente suplementar, mas ultrapassar a dominação e a expansão econômicas.
O Estado torna-se assim o agente executivo da economia, que organiza e coordena a "mobilização total" da nação em direção ao objetivo imperativo da expansão econômica. A conseqüência necessária desta transformação é a instauração de um sistema abertamente autoritário: o nazismo "tende a abolir qualquer separação entre Estado e sociedade através da transferência das funções públicas aos grupos sociais atualmente no poder". O sistema tende, em outras palavras, "à autonomia do governo direto e imediato dos grupos sociais dominantes sobre o resto da população".
Um instrumento para a opressão
O fim da separação entre esfera pública e privada, típico da era liberal do capitalismo, repercute no plano individual com a supressão da privacidade e a abolição sub-reptícia de tabus tradicionais sobre o sexo e a moral cristã. O efeito disso não é, porém, a liberação das faculdades individuais, mas seu consumo pela massa, o que intensifica a fragmentação e o isolamento recíproco. Pois a massa não é unida por uma consciência e interesse comuns, mas é composta de indivíduos "perseguindo cada um seus próprios interesses primitivos, que são unificados pela redução deste interesse ao mero instinto de auto-conservação, idêntico para cada um deles". A perda da independência necessária à mobilização integral da força de trabalho é recompensada por uma nova segurança econômica e uma nova liberdade de costumes. "O nacional-socialismo — escreve Marcuse — transforma o sujeito livre em sujeito economicamente estável; a realidade da segurança econômica eclipsa o perigoso ideal da liberdade."
Além do recurso à mitologia ancestral e violenta, consideradas por Marcuse como aspectos superficiais e ainda imperfeitos do sistema, o nazismo compartilha os traços fundamentais da nova ordem descrita em sua obra O Homem unidimensional ("uma ordem que conseguiu coordenar também as zonas escondidas mais perigosas da sociedade individualista") e, graças ao bem-estar assegurado pelo pleno emprego, "induz cada indivíduo a apreciar e a perpetuar um mundo que se serve dele como de um instrumento para a opressão".
Um aparente conflito de opiniões
Competitividade, eficiência, segurança são elementos que funcionam como palavras de ordem também para a nova ordem globalitária. [13] O conteúdo dado a estes conceitos é, porém, diferente: se, para Marcuse, a abolição da distinção entre Estado e sociedade — requerida pelas exigências de eficiência e competitividade mundiais — se manifestava pela saída da política de seus domínios tradicionais — via a intervenção do Estado na economia — hoje estas mesmas exigências se manifestam de maneira oposta, pelo recuo da esfera pública em proveito dos mercados, que ocupam, sem contestação, o campo das decisões políticas. O tema da segurança também mudou de sentido: com a difusão do empobrecimento maciço mesmo nas sociedades tecnologicamente avançadas, a segurança perde seu significado econômico e retoma seu sentido policial de "tolerância zero", de enclausuramento e reclusão dos homens e mulheres que sitiam a fortaleza empobrecida.
Um sistema repressivo que perdeu, portanto, até a última justificativa racional de sua perpetuação, que abre espaço à crítica e talvez a perspectivas de uma verdadeira renovação. Mas que, do mesmo modo, parece mais forte e incontestável do que nunca. O sucesso dos adversários do neoliberalismo dependerá de sua capacidade em resolver este aparente conflito de opiniões entre força inusitada e ausência de legitimação, sem cair em uma reprodução simplista das receitas do passado.
Contra-educação, a arma principal
Como dizia o próprio Herbert Marcuse: "Contra o espectro do fascismo à americana, a esquerda, enfraquecida por suas divisões, sem organização eficaz, trava um combate desigual. Sua arma principal permanece sendo a educação política — a contra-educação — na teoria e na prática: longa e dolorosa operação que consiste em tornar conscientes as pessoas de que as repressões exigidas para a manutenção do atual modelo de sociedade não são mais necessárias, e que é possível aboli-las sem contudo substituí-las por um outro sistema de dominação".

Traduzido por Marco Aurélio Weissheimer

terça-feira, 24 de junho de 2008

segunda-feira, 23 de junho de 2008

ainda sobre nós, ou melhor sobre mim.

João Gilberto acentua os sintomas da dengue.

domingo, 22 de junho de 2008

gozo

o meu maior prazer é ter você.

questionamento

as vezes sentimos medo de nos machucarmos, sentimos medo de seguir em frente pensando que num futuro próximo podemos nos magoar...
agindo desta maneira apenas estamos nos privando de semos felizes, por medo.
o medo paraliza e assombra.
se ficarmos estáticos, paralizados, congelados não viveremos.
e não viver é morrer.
Seremos mortos vivos se tivermos medo de sermos felizes?

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Resenha: A arte de passear, Schelle

O pequeno livro de Scheelle com um título que hoje parece auto-ajuda, nos fornece elementos para o flanar que é fortemente exprimido na Modernidade, ou seja, de 1850 em diante.
O autor faz a diferenciação dentre os diversos modos de passear. Desde a simples caminhada (a pé mesmo), para os passeios de cochê e à cavalo - sendo que a pé é o "preferido", o mais completo. Flanar a pé envolve tanto corpo quanto mente.
Há distinções diversas sobre o passear na cidade, no campo, no vale, nas montanhas. O livreto acaba sendo um "manual" para aproveitar o passeio e exercitar a mente. Muito melhor do que auto-ajuda vale a pena ser lido!

A arte de passear, Schelle R$ 20,00 (Fnac)

win wenders

Paris, Texas é sonífero

sobre nós

eu gosto do dia,
ele da noite!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Marcuse, Herbert - Algumas implicações sobre Aragon: arte e política na Era totalitária

Sobre a Fidelidade:


É a impossibilidade física de substituir uma pessoa por outra, em uma ordem de permutabilidade universal, é o símbolo da transcendência, da contradição absoluta.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Clarice Lispector

http://claricelispector.blogspot.com/

Proust

"Na realidade, todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de instrumento ótico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo."
Marcel Proust (em "O Tempo Redescoberto")

Charles Baudelaire

Que j'aime voir, chère indolente,
De ton corps si beau,
Comme une étoffe vacillante,
Miroiter la peau!
Sur ta chevelure profonde
Aux âcres parfums,
Mer odorante et vagabonde
Aux flots bleus et bruns,
Comme un navire qui s'éveille
Au vent du matin,
Mon âme rêveuse appareille
Pour un ciel lointain.
Tes yeux, où rien ne se révèle
De doux ni d'amer,
Sont deux bijoux froids où se mêle
L'or avec le fer.
A te voir marcher en cadence,
Belle d'abandon,
On dirait un serpent qui danse
Au bout d'un bâton.
Sous le fardeau de ta paresse
Ta tête d'enfant
Se balance avec la mollesse
D'un jeune éléphant,
Et ton corps se penche et s'allonge
Comme un fin vaisseau
Qui roule bord sur bord et plonge
Ses vergues dans l'eau.
Comme un flot grossi par la fonte
Des glaciers grondants,
Quand l'eau de ta bouche remonte
Au bord de tes dents,
Je crois boire un vin de Bohême,
Amer et vainqueur,
Un ciel liquide qui parsème
D'étoiles mon cœur!

Para saber mais sobre Hilda Hilst

http://www.angelfire.com/ri/casadosol/

Bufólicas

A CANTORA GRITANTE

Cantava tão bem
Subiam-lhe oitavas
Tantas tão claras
Na garganta alva
Que toda vizinhança
Passou a invejá-la.
(As mulheres, eu digo,
porque os maridos
às pampas excitados
de lhe ouvir os trinados,
a cada noite
em suas gordas consortes
enfiavam os bagos).
Curvadas, claudicantes
De xerecas inchadas
Maldizendo a sorte
Resolveram calar
A cantora gritante.
Certa noite... de muita escuridão
De lua negra e chuvas
Amarraram o jumento Fodão a um toco negro.
E pelos gorgomilos
Arrastaram também
A Garganta Alva
Pros baixios do bicho.
Petrificado
O jumento Fodão
Eternizou o nabo
Na garganta-tesão... aquela
Que cantava tão bem
Oitavas tão claras
Na garganta alva.

Moral da estória:
Se o teu canto é bonito,
Cuida que não seja um grito.
(Bufólicas - 1992)

* * *

FILÓ, A FADINHA LÉSBICA
Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe "Filó, a lésbica fadinha".
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.
Bulia, beliscava
Como quem sabia
O que um dedo faz
Desde que nascia.
Mas à noite... quando dormia...
Peidava, rugia... e...
Nascia-lhe um bastão grosso
De início igual a um caroço
Depois...
Ia estufando, crescendo
E virava um troço
Lilás
Fúcsia
Bordô
Ninguém sabia a cô do troço
Da Fadinha Filô.
Faziam fila na Vila.
Falada "Vila do Troço".
Famosa nas Oropa
Oiapoc ao Chuí
Todo mundo tomava
Um bastão no oiti.
Era um gozo gozoso
Trevoso, gostoso
Um arrepião nos meio!
Mocinhas, marmanjões
Ressecadas velhinhas
Todo mundo gemia e chorava
De pura alegria
Na Vila do Troço.
Até que um belo dia...
Um cara troncudão
Com focinho de tira
De beiço bordô, fúcsia ou maravilha
(ninguém sabia o nome daquela cô)
Seqüestrou Fadinha
E foi morar na Ilha.
Nem barco, nem ponte
O troncudão nadando feito rinoceronte
Carregava Fadinha.
De pernas abertas
Nas costas do gigante
Pela primeira vez
Na sua vidinha
Filó estrebuchava
Revirando os óinho
Enquanto veloz veloz
O troncudão nadava.
A Vila do Troço
Ficou triste, vazia
Sorumbática, tétrica
Pois nunca mais se viu
Filó, a Fadinha lésbica
Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúcsia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô.
E nunca mais se viu
Alguém-Fantasia
Que deixava uma estrela
Em tudo que tocava
E um rombo na bunda
De quem se apaixonava.

Moral da estória, em relação à Fadinha:
Quando menos se espera, tudo reverbera.

Moral da estória, em relação ao morador
da Vila do Troço:
Não acredite em Fadinhas.
Muito menos com cacete.
Ou somem feito andorinhas
Ou te deixam cacoetes.
( Bufólicas - 1992)

(Bufólicas - São Paulo: Massao Ohno Editor, 1992.)
Amavisse
de Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
(II)

* * *

Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.
(Via Vazia - VIII)

http://www.angelfire.com/ri/casadosol/palcoolicas.html

Alcoólicas
de Hilda Hilst

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.
(Alcoólicas - I)

* * *

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
(Alcoólicas - II)

* * *

E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.
(Alcoólicas - IV)

* * *

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.
(Alcoólicas - V)
(in Do Desejo - Campinas, SP: Pontes, 1992.)

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Shine a Light

O documentário/musical Shine a Light de Martin Scorsese registra os dois dias de show dos Rolling Stones no Beacon Theatre de Nova York em 29 de outubro e 1º de novembro de 2006, parte da turnê do álbum A Bigger Bang.
Mas porquê Scorsese?
A relação que ele tinha com os Stones já era de longa data, além do que várias músicas entram na trilha dos seus filmes.
O documentário/musical tem uma equipe impecável...a fotografia é maravilhosa. Ellen Kuras, Emmanuel Lubezki, Andrew Lesnie e Robert Elswit, entre outros. Todos sob o comando do diretor de fotografia Robert Richardson. Uma boa montagem e operação de camera fazem o diferencial.

Só posso afirmar mais um coisa: Temos a impressão de estarmos dentro do Teatro, junto com o público!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

RESENHA:Dadá-Berlim: Des/montagem, Norval Baitello Junior, Editora AnnaBlume

Este “pocket” é fruto da dissertação de mestrado do referido autor. Trata-se de uma contextualização do movimento que teve origem em Zurique, mas adotou envergadura política forte na Alemanha, sobretudo em Berlim no período de transição para a República de Weimar.
A Alemanha passava por um período duro, o final dos anos 1920 não estava fácil. A perda da 1ª Grande Guerra prejudicou não só a política financeira do país, como a moral dos alemães estava em baixa. A fome, a pobreza, a atmosfera cinza propiciavam o clima ideal para o suicídio. Os vários partidos políticos culminaram na ruína daquela república que já nascera fadada ao fracasso. O resultado não poderia ser outro: o nazi-fascismo.
O movimento dadaísta berlinense surge como um ácido para corroer mais rápido essa base frágil. Todos os meios de comunicação de massa eram utilizados como arma, arma contra si, contra o próprio sistema vigente. A negação da negação. Corroer de dentro para fora. Utilizar as mesmas armas. Assim, o caráter pacifista do movimento dadá de Zurique tomou uma forma mais “agressiva”, pelo próprio clima da Alemanha pós guerra.
O titulo deste livro pode parecer estranho, mas sintetiza a essência do movimento, que pela negação podia afirmar e negar novamente. Pela desmontagem, pela desconstrução pode-se construir uma nova montagem. Contudo uma das coisas mais significativas deste movimento são as suas ações. Os dadaístas não se preocupavam com a durabilidade de suas obras, mas sim com a significância de suas ações (o que posteriormente influenciou os surrealistas): a ação como obra artística. É deste modo que a arte está a serviço da política, o que pode ser uma afirmação perigosa. Perguntamo-nos então, para qual política?
Assim este pequeno livro (não desmerecendo o seu conteúdo) introduz o leitor numa série de conceitos-chaves e traz uma cronologia bastante completa, desde 1905 até 1922. Depois o texto se divide em quatro capítulos: (1) A morte dadá; (2) A República de Weimar: nascimento, isto é, morte; (3) República dadá vs. República de Weimar; (4) “Ação, ação...”. E fecha com a conclusão que se intitula como “O começo”. Não posso deixar de dizer aos leitores que o livro é rico em informações de panfletos da época, que o autor traduziu direto da língua alemã. Apresenta-nos ainda imagens de algumas instalações e da própria arte gráfica, que a meu ver o movimento foi precursor. Fica então o saldo positivo de um livro que poucos conhecem e que muitos deveriam conhecer.

A DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL DAS CATEGORIAS NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA DE IMMANUEL KANT

A Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant data a primeira edição no ano de 1781 e a segunda edição em 1787. Contudo, para o português do Brasil apenas a segunda edição foi traduzida. Segundo consta desde o surgimento da primeira Crítica não cessam queixas sobre a dificuldade de seu entendimento, dificuldade esta em compreender Kant. Para tanto o próprio filósofo reconheceu tais dificuldades apontadas e resolveu escrever a segunda edição da Crítica. Este reconhecimento aparece numa carta-resposta a Garve em 1783 (reproduzida, em tradução vernácula, no Suplemento aos Prolegômenos, trad. de Antônio Pinto de Carvalho), na qual menciona a “falta de popularidade como justa censura que se pode fazer à minha obra”. Também no prefácio à segunda edição ele declara ter feito o possível para “remover as dificuldades e obscuridades”, e que “no tocante ao estilo, ainda há muita coisa a ser feita”. E ainda solicita a esses “excelentes homens que tão afortunadamente equilibram a perfeita sabedoria com o talento da exposição lúcida (talento que não posso aspirar)”, que estes assumam a “tarefa de elevar a minha obra – muito falha neste particular – a maior perfeição”[1].
O coração da Crítica da Razão Pura é a dedução transcendental das categorias. Mas o que é, afinal, a dedução transcendental? Em sentido jurídico, dedução (primeiro parágrafo do parágrafo 13) é a prova, a legitimidade de uma determinada coisa. A dedução transcendental é a aplicação das categorias, aplica para promover o conhecimento, pronto e acabado. No qual a sensibilidade contribui com a intuição. Ainda, o termo “dedução” deriva do latim e literalmente significa: “tornar algo para além de algo outro”. Neste sentido, esta palavra não restringe seu uso a derivações no interior de um discurso. Como metodologia do discurso, dedução tem varias aplicações. Dedução no sentido latino original pode tomar o lugar onde quer que algo resulte de uma derivação metodológica de algum outro.
Na dedução ou exposição metafísica dos conceitos puros do entendimento, a diferença da dedução transcendental pode ser entendida como a busca kantiana para encontrar a origem a priori das categorias a partir de sua concordância com as formas lógicas universais dos juízos. Isto é, mediante a análise da própria faculdade do entendimento. Logo as categorias são consideradas por ele como predicados de juízos possíveis que se referem a objetos ainda indeterminados. A dedução pode ser entendida em dois sentidos: (1) como uma noção metodológica e (2) como uma noção epistemológica da origem do conhecimento, inseparavelmente vinculadas a terminologia da primeira Crítica. A questão que Kant levanta constantemente remete a significados diferentes. A questão é: Como isto é possível? Não se relaciona com uma pergunta sobre uma condição suficiente para a possessão do conhecimento. Ante a dúvida acerca de ser uma pretensão de conhecimento genuíno, procura-se descobrir e examinar a origem real da pretensão e a fonte desta legitimidade. Assim, o propósito da dedução é determinar em relação à origem, o domínio e o limite do uso legítimo das categorias. Além disso, a noção de dedução como um procedimento jurídico é compatível com uma classe de argumentação, que é propicia para justificar a pretensão do conhecimento a priori.
Para facilitar o nosso presente estudo utilizamos como norte o parágrafo 10 da segunda edição. Tal parágrafo é estratégico, pois vem depois da estética transcendental. Nele são apresentadas as tábuas das categorias. Ou seja, esse parágrafo situa-se entre a estética e a dedução. A lógica transcendental é a origem pura, é função, coisa. Uso ou emprego de uma representação a priori na experiência. Sendo assim, explica a possibilidade de algo. É o múltiplo da sensibilidade a priori, e esse múltiplo é fundamental, pois é matéria de conhecimento. É a pura divisibilidade do espaço e tempo, pois estes contêm um múltiplo da intuição pura a priori (sensibilidade). O objeto de conhecimento é construído pelo sujeito, é fenômeno. “Posso pensar a coisa em si, mas não conhecê-la. Não sou determinado, mas posso determinar-me”. Ou seja, é o sujeito que gira em torno do objeto para determinar as possibilidades de seu conhecimento e não ao contrário. Sendo assim, é na síntese tem que haver o múltiplo para ser sintetizado. A síntese pode remeter tanto em síntese em geral, ou imaginação (fundamenta o conhecimento, mas não é conhecimento); quanto síntese a conceitos, ou conhecimento em sentido próprio (relação sujeito/predicado). A espontaneidade acontece em função do múltiplo. Transformar a multiplicidade em unidade.
Apresentadas as bases para o entendimento de nosso trabalho, que visa apresentar algumas das possíveis interpretações metodológicas que podem realizar-se da Crítica da Razão Pura de Kant e, em particular, da dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento, pode-se entender que: “transcendental [é] todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori”. (1983, p.33). a partir desta asseveração nota-se que o termo transcendental refere-se a um determinado “modo de ver” a relação sujeito-objeto: o sujeito constitui transcendentalmente a realidade enquanto objeto. O que resulta no método kantiano da crítica transcendental corresponder à razão. Esta, a razão, é o locus no qual se opera a crítica transcendental, e dela se desdobram faculdades distintas – a imaginação, o entendimento, a própria razão. Contudo, somente a razão pode operar sínteses no real, estabelecendo o uno a partir do múltiplo.
Passemos, então, ao problema fundamental que Kant procura resolver na Crítica que se relaciona com a possibilidade científica da Metafísica. Este problema é expresso a partir da questão da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, a qual se relaciona com o estabelecimento dos critérios ou condições a priori que tornam estes juízos possíveis. Na “Estética Transcendental”, Kant demonstra que as formas puras da sensibilidade, espaço e tempo, são condições para um conhecimento possível. Neste sentido, afirma Kant que:
O tempo e o espaço são portanto duas fontes de conhecimento das quais se podem extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos, do que nós dá brilhante exemplo, sobretudo, a matemática, no que se refere ao conhecimento do espaço e das suas relações. Tomados conjuntamente são formas puras de toda intuição sensível, possibilitando assim proposições sintéticas a priori (CRP, A 39 / B 55)

Na dedução metafísica do espaço e do tempo, ou melhor, na “Estética Transcendental”, Kant afirma que essas formas da sensibilidade são representações a priori subjetivas, no sentido de pertencerem ao sujeito. Ao passo que na dedução transcendental Kant indica que o espaço e o tempo são condições sensíveis necessárias para a possibilidade do conhecimento de objetos da experiência possível. Em relação às condições intelectuais do conhecimento, os conceitos puros do entendimento ou categorias, Kant realizou primeiramente uma dedução metafísica. Tal dedução mediante a qual ele demonstra que as categorias são obtidas a partir das formas lógica dos juízos. Concebendo-os, assim, como predicados de juízos possíveis. E, posteriormente, na dedução transcendental, provou que elas referem-se aos fenômenos, visto que são condições a priori do entendimento através das quais um objeto em geral é pensado. A partir da dedução transcendental das categorias, Kant mostra a validade objetiva dos conceitos puros do entendimento na medida em que se referem aos fenômenos. Ou seja, aos objetos espaço/temporais, o que torna legítimo o uso dos mesmos, o qual deve fundamentar às condições da sensibilidade. A realidade objetiva das categorias ficou também estabelecida na dedução transcendental, quando Kant mostra que ao ser estas as condições para a experiência possível, as categorias referem-se aos objetos possíveis dessa experiência. Assim, conforme Kant, tanto as condições sensíveis, pertencentes à capacidade receptivas, quanto intelectuais, pertencentes à espontaneidade ou entendimento, são necessárias para a possibilidade do conhecimento e, ainda também, para experiência de objetos possíveis.
O movimento de transformação, que pode ser entendido como a análise propriamente dita se aplicado às considerações metodológicas da filosofia transcendental, logo fica a questão de como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Para tanto, deve ter havido uma procura para se identificar as operações necessárias para gerar as formas lógicas proposicionais admitidas como dadas, bem como construir formas intuitivas que tornem verdadeiras ou falsas as proposições. O caráter a priori das operações de formação de juízos e das operações da imaginação pura é um resultado dessa fase. Assim, as condições que fazem possíveis a esses juízos são as condições intuitivas e discursivas: intuições e conceitos. As quais são geradas através de operações a priori que se aplicam aos aparecimentos que fazem possível o conhecimento objetivo. As condições intuitivas são formas intuitivas a priori de toda intuição sensível, o espaço e o tempo, que informam aos aparecimentos. Já as discursivas, são formas lógicas das proposições que se aplicam indiretamente a eles mediante as formas intuitivas.
No segundo momento do procedimento de análise do método combinado, a resolução procura mostrar, por um lado, a verdade das premissas e por outro a legitimidade das construções alcançadas no movimento de transformação. Na resolução mostra-se a completude, unicidade e existência das operações a priori obtidas na etapa de transformação, as quais são justificadas no momento da resolução. O procedimento da dedução metafísica se dirige a encontrar mediante a análise, a origem a priori das condições que tornam possível o conhecimento objetivo. O espaço e o tempo são formas puras a priori da intuição sensível, o que é mostrado pela dedução metafísica. Esta dedução é uma exposição daquilo que pertence a um conceito dado a priori. Quanto à dedução metafísica das categorias, ela encaminha-se a examinar a possibilidade dos conceitos puros, cuja origem é o entendimento. Eles são encontrados mediante a decomposição desta faculdade, analisando o seu uso puro.
A dedução transcendental forma parte da resolução, é o segundo momento da etapa da análise do método combinado. Mediante a dedução transcendental, Kant pretende mostrar a validade e realidade objetivas tanto do espaço e do tempo quanto dos conceitos a priori ou categorias, mostrando-os como condições necessárias para a possibilidade do conhecimento objetivo. Ficando restrito o uso das categorias ao âmbito da experiência possível, isto é, conforme as formas puras da sensibilidade. Na síntese, segunda parte do método combinada, ocorre também dois momentos. No primeiro, chamado de etapa de construção, a figura que exemplifica a proposição conjeturada é efetivamente construída a partir das construções tomadas como legitimas na etapa de resolução. No segundo momento da síntese, prova-se a verdade da proposição inicial deduzida das premissas. São obtidas na primeira etapa da análise, a transformação, e justificadas na etapa de resolução, tendo em conta as construções realizadas no primeiro passo da síntese ou construção.
Kant adota o método combinado de análise e síntese, em que este possibilita a sua aplicação à matemática da construtibilidade de seu objeto, propondo para a metafísica o conceito de objeto possível. Um objeto é possível para Kant quando em seu “conceito está reunido o diverso de uma intuição dada” (B 137). Uma proposição é possível quando se pode determinar o valor de verdade da mesma, cuja demonstrabilidade depende de que o objeto ao qual se refere seja legitimamente construído ou possivelmente dado. Nesse sentido, para que um objeto seja possível devem satisfazer-se condições tanto sensíveis quanto intelectuais, isto é, condições da sensibilidade do espaço e do tempo. E, ainda, do entendimento os conceitos puros ou categorias. Portanto, a possibilidade das proposições remete necessariamente às condições da sensibilidade e do entendimento.
Kant sustenta que não pode se explicar o que é uma representação, não obstante possa dar-se uma indicação do que a mesma é: toda representação é algo em nós, algo que se refere a alguma outra coisa, qual seja, o objeto. Certas coisas representam algo, mas nós representamos coisas. Portanto, a representação refere-se a um objeto. Na primeira edição da Crítica da Razão Pura esta afirmação já se configura: “cada representação, enquanto representação, tem seu objeto” (A 108). Além disto, as representações encontram-se em nós, o que significa que ela é de natureza mental. Como Kant afirma também na Crítica: “Temos em nós representações das quais também podemos ser conscientes [...] (elas são) determinações internas de nosso espírito, nesta ou aquela relação de tempo” (A 197 / B 242). O autor ainda sustenta que toda representação apresenta seu objeto a algum sujeito consciente. O sujeito consciente sempre representa de algum modo psicológico especifico, que pode ser o aspecto formal da noção kantiana de representação.
A crença (o considerar algo verdadeiro) é um fato do nosso entendimento que pode repousar sobre princípios objetivos, mas que também exige causas subjetivas no espírito de quem julga [...] A opinião é uma crença, que tem consciência de ser insuficiente, tanto subjetiva como subjetivamente. Se a crença apenas é subjetivamente suficiente e, ao mesmo tempo, é considerada objetivamente insuficiente, chama-se fé [...] A crença tanto objetivamente como subjetivamente suficientes recebe o nome de saber. (A 820, 822 / B 848, 850)

Para Kant há dois tipos de conteúdos representacionais. O conteúdo proporcionado pelas intuições sensíveis, que é o aspecto material do conteúdo representacional (1) e o outro, o conteúdo conceitual ou a intenção de uma representação, constituída pelos conceitos puros do entendimento (2).
A interpretação da Crítica como uma semântica cognitiva tem como ponto de partida o idealismo transcendental de Kant. Kant denomina transcendental “a todo conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que de nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori” (B 25). Não só o tempo e o espaço como formas subjetivas a priori da sensibilidade respondem ao idealismo transcendental kantiano. Os conceitos puros do entendimento são também transcendentalmente ideais na medida em que são derivados das capacidades cognitivas não empíricas. Assim, o idealismo transcendental kantiano é uma doutrina das formas introduzidas nos conteúdos representacionais mentais pelas capacidades cognitivas a priori da mente, as quais são também introduzidas nos objetos do conhecimento. Uma conseqüência do idealismo transcendental é que os objetos do conhecimento são do mesmo tipo que às estruturas a priori da mente. Por essa razão, os juízos verdadeiros acerca destas estruturas da mente são necessariamente verdadeiros em relação aos objetos do conhecimento, pois os objetos do conhecimento estão constituídos em seu conteúdo, por as formas ou estruturas mentais além do conteúdo material sensorial.
Assim, a Crítica é uma semântica cognitiva porque ela é uma teoria das representações mentais objetivas a priori necessárias ou dos juízos sintéticos a priori. É fundamental para esta interpretação, explicitar como surgem as representações mentais objetivas a priori ou juízos sintéticos a priori. Na medida em que todo conhecimento a priori fundamenta-se na capacidade cognitiva para ter insight, o que depende da faculdade da imaginação. As representações mentais objetivas a priori surgem por um ato espontâneo, produzido pela mente ao ser acionada por inputs sensoriais, em conformidade a certas regras formais que agem sobre esses dados. O ato de geração de representações tem uma fonte transcendental mental que é não-sensorial. Essa fonte é um conjunto de capacidades de sintetizar ou processar informação sensorial, conforme a certas estruturas formais que são de três tipos: as formas puras da intuição sensível (1), os conceitos puros do entendimento ou categorias (2) e os esquemas transcendentais da imaginação (3). As diversas capacidades do processamento de informação confluem à uma unidade cognitiva bem organizada por uma capacidade executiva de síntese, que unifica os elementos do conhecimento de objetos. Essa unidade cognitiva bem organizada é a unidade sintética original da apercepção, cuja função é ser a base a priori para produzir a representação “eu penso”. O “eu penso” é o prefixo implícito de todo conhecimento possível.
De tal modo que as diferentes capacidades ou distintos poderes dentro da capacidade do processamento de informação compõem uma unidade ou corporação cognitiva. Cuja unidade deve-se a uma capacidade executiva que unifica os elementos da síntese, que constituem o conhecimento de objetos determinados a priori. Essa capacidade é a unidade sintética originária da apercepção:
Deve encontrar-se, portanto, um princípio transcendental da unidade da consciência na síntese do diverso de todas as nossas intuições; logo, também dos conceitos dos objetos em geral e ainda, por conseqüência, de todos os objetos da experiência, principalmente sem o qual seria impossível pensar qualquer objeto para as nossas intuições, pois este objeto não é nada mais do que alguma coisa, do qual o conceito exprime uma tal necessidade de síntese. Ora, esta condição originaria e transcendental não é outra que a apercepção transcendental. (A 106- 107)

A experiência é mesmo a ocasião para o conhecimento. O conhecimento depende de que possa ser aplicado a objetos efetivos ou possíveis da experiência. Mas, nem todo seu conteúdo representacional é determinado pela experiência sensorial ou derivado dela. Parte do conteúdo do conhecimento é constituído por sua estrutura subjacente, derivada de uma fonte formal não sensorial da mente, a unidade sintética da apercepção.
Não resta duvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levaram-na a compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? (B 1)

Em efeito, ao final da Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento, Kant afirma em relação à necessária concordância entre a experiência e os conceitos de seus objetos que ou é a experiência que tornam possíveis esses conceitos ou esses conceitos tornam possível à experiência. O primeiro caso fica descartado dado que as categorias são conceitos a priori, ou seja, independentes da experiência. Resta o segundo, os conceitos tornam possível a experiência, o que constitui para ele “uma teoria epigenética da razão pura, ou seja, que as categorias contêm, do lado de entendimento, os princípios da possibilidade de toda a experiência em geral” (B 167). Deste modo, a dedução transcendental das categorias tem como condições intelectuais para a possibilidade do conhecimento sintético a priori os conceitos puros do entendimento ou categorias. Cuja demonstrabilidade exige uma dedução que legitime o seu uso, o qual deve ficar restrito, conforme Kant, aos limites da experiência possível, isto é, as condições proporcionadas pela sensibilidade. Kant demonstra que as categorias, ou conceitos puros do entendimento, aplicam-se aos dados dos sentidos na dedução transcendental, inaugurando uma nova forma de proceder que responde a procedimentos de cunho jurídico desconhecido pelos seus predecessores. A dedução da primeira Crítica pretende ser uma prova, mas, se ela fosse definida silogisticamente, seria impossível encontrar os critérios para que a dedução fosse assim avaliada. Kant utiliza provas silogísticas na “Refutação do Idealismo” e nas “Antinomias”. Doravante, não é o caso quanto à dedução transcendental das categorias.














Referências Bibliográficas

KANT, I. Crítica de la Razón Pura. Buenos Aires: Ediciones Losada, 1957.
______Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste Gulbenekian, 1997.
______Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores)
PASCAL, G. Compreender Kant. Trad.: Raimundo Vier. Petrópolis: 2007.
THOUARD, D. Kant. Trad.: Teresa Moura Lacerda.São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
[1] Cf. Pascal. Compreender Kant. p. 7.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

sempre recomeçar!

as vezes recomeçar pode ser algo maravilhoso...