segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

RESENHA:Dadá-Berlim: Des/montagem, Norval Baitello Junior, Editora AnnaBlume

Este “pocket” é fruto da dissertação de mestrado do referido autor. Trata-se de uma contextualização do movimento que teve origem em Zurique, mas adotou envergadura política forte na Alemanha, sobretudo em Berlim no período de transição para a República de Weimar.
A Alemanha passava por um período duro, o final dos anos 1920 não estava fácil. A perda da 1ª Grande Guerra prejudicou não só a política financeira do país, como a moral dos alemães estava em baixa. A fome, a pobreza, a atmosfera cinza propiciavam o clima ideal para o suicídio. Os vários partidos políticos culminaram na ruína daquela república que já nascera fadada ao fracasso. O resultado não poderia ser outro: o nazi-fascismo.
O movimento dadaísta berlinense surge como um ácido para corroer mais rápido essa base frágil. Todos os meios de comunicação de massa eram utilizados como arma, arma contra si, contra o próprio sistema vigente. A negação da negação. Corroer de dentro para fora. Utilizar as mesmas armas. Assim, o caráter pacifista do movimento dadá de Zurique tomou uma forma mais “agressiva”, pelo próprio clima da Alemanha pós guerra.
O titulo deste livro pode parecer estranho, mas sintetiza a essência do movimento, que pela negação podia afirmar e negar novamente. Pela desmontagem, pela desconstrução pode-se construir uma nova montagem. Contudo uma das coisas mais significativas deste movimento são as suas ações. Os dadaístas não se preocupavam com a durabilidade de suas obras, mas sim com a significância de suas ações (o que posteriormente influenciou os surrealistas): a ação como obra artística. É deste modo que a arte está a serviço da política, o que pode ser uma afirmação perigosa. Perguntamo-nos então, para qual política?
Assim este pequeno livro (não desmerecendo o seu conteúdo) introduz o leitor numa série de conceitos-chaves e traz uma cronologia bastante completa, desde 1905 até 1922. Depois o texto se divide em quatro capítulos: (1) A morte dadá; (2) A República de Weimar: nascimento, isto é, morte; (3) República dadá vs. República de Weimar; (4) “Ação, ação...”. E fecha com a conclusão que se intitula como “O começo”. Não posso deixar de dizer aos leitores que o livro é rico em informações de panfletos da época, que o autor traduziu direto da língua alemã. Apresenta-nos ainda imagens de algumas instalações e da própria arte gráfica, que a meu ver o movimento foi precursor. Fica então o saldo positivo de um livro que poucos conhecem e que muitos deveriam conhecer.

A DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL DAS CATEGORIAS NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA DE IMMANUEL KANT

A Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant data a primeira edição no ano de 1781 e a segunda edição em 1787. Contudo, para o português do Brasil apenas a segunda edição foi traduzida. Segundo consta desde o surgimento da primeira Crítica não cessam queixas sobre a dificuldade de seu entendimento, dificuldade esta em compreender Kant. Para tanto o próprio filósofo reconheceu tais dificuldades apontadas e resolveu escrever a segunda edição da Crítica. Este reconhecimento aparece numa carta-resposta a Garve em 1783 (reproduzida, em tradução vernácula, no Suplemento aos Prolegômenos, trad. de Antônio Pinto de Carvalho), na qual menciona a “falta de popularidade como justa censura que se pode fazer à minha obra”. Também no prefácio à segunda edição ele declara ter feito o possível para “remover as dificuldades e obscuridades”, e que “no tocante ao estilo, ainda há muita coisa a ser feita”. E ainda solicita a esses “excelentes homens que tão afortunadamente equilibram a perfeita sabedoria com o talento da exposição lúcida (talento que não posso aspirar)”, que estes assumam a “tarefa de elevar a minha obra – muito falha neste particular – a maior perfeição”[1].
O coração da Crítica da Razão Pura é a dedução transcendental das categorias. Mas o que é, afinal, a dedução transcendental? Em sentido jurídico, dedução (primeiro parágrafo do parágrafo 13) é a prova, a legitimidade de uma determinada coisa. A dedução transcendental é a aplicação das categorias, aplica para promover o conhecimento, pronto e acabado. No qual a sensibilidade contribui com a intuição. Ainda, o termo “dedução” deriva do latim e literalmente significa: “tornar algo para além de algo outro”. Neste sentido, esta palavra não restringe seu uso a derivações no interior de um discurso. Como metodologia do discurso, dedução tem varias aplicações. Dedução no sentido latino original pode tomar o lugar onde quer que algo resulte de uma derivação metodológica de algum outro.
Na dedução ou exposição metafísica dos conceitos puros do entendimento, a diferença da dedução transcendental pode ser entendida como a busca kantiana para encontrar a origem a priori das categorias a partir de sua concordância com as formas lógicas universais dos juízos. Isto é, mediante a análise da própria faculdade do entendimento. Logo as categorias são consideradas por ele como predicados de juízos possíveis que se referem a objetos ainda indeterminados. A dedução pode ser entendida em dois sentidos: (1) como uma noção metodológica e (2) como uma noção epistemológica da origem do conhecimento, inseparavelmente vinculadas a terminologia da primeira Crítica. A questão que Kant levanta constantemente remete a significados diferentes. A questão é: Como isto é possível? Não se relaciona com uma pergunta sobre uma condição suficiente para a possessão do conhecimento. Ante a dúvida acerca de ser uma pretensão de conhecimento genuíno, procura-se descobrir e examinar a origem real da pretensão e a fonte desta legitimidade. Assim, o propósito da dedução é determinar em relação à origem, o domínio e o limite do uso legítimo das categorias. Além disso, a noção de dedução como um procedimento jurídico é compatível com uma classe de argumentação, que é propicia para justificar a pretensão do conhecimento a priori.
Para facilitar o nosso presente estudo utilizamos como norte o parágrafo 10 da segunda edição. Tal parágrafo é estratégico, pois vem depois da estética transcendental. Nele são apresentadas as tábuas das categorias. Ou seja, esse parágrafo situa-se entre a estética e a dedução. A lógica transcendental é a origem pura, é função, coisa. Uso ou emprego de uma representação a priori na experiência. Sendo assim, explica a possibilidade de algo. É o múltiplo da sensibilidade a priori, e esse múltiplo é fundamental, pois é matéria de conhecimento. É a pura divisibilidade do espaço e tempo, pois estes contêm um múltiplo da intuição pura a priori (sensibilidade). O objeto de conhecimento é construído pelo sujeito, é fenômeno. “Posso pensar a coisa em si, mas não conhecê-la. Não sou determinado, mas posso determinar-me”. Ou seja, é o sujeito que gira em torno do objeto para determinar as possibilidades de seu conhecimento e não ao contrário. Sendo assim, é na síntese tem que haver o múltiplo para ser sintetizado. A síntese pode remeter tanto em síntese em geral, ou imaginação (fundamenta o conhecimento, mas não é conhecimento); quanto síntese a conceitos, ou conhecimento em sentido próprio (relação sujeito/predicado). A espontaneidade acontece em função do múltiplo. Transformar a multiplicidade em unidade.
Apresentadas as bases para o entendimento de nosso trabalho, que visa apresentar algumas das possíveis interpretações metodológicas que podem realizar-se da Crítica da Razão Pura de Kant e, em particular, da dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento, pode-se entender que: “transcendental [é] todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori”. (1983, p.33). a partir desta asseveração nota-se que o termo transcendental refere-se a um determinado “modo de ver” a relação sujeito-objeto: o sujeito constitui transcendentalmente a realidade enquanto objeto. O que resulta no método kantiano da crítica transcendental corresponder à razão. Esta, a razão, é o locus no qual se opera a crítica transcendental, e dela se desdobram faculdades distintas – a imaginação, o entendimento, a própria razão. Contudo, somente a razão pode operar sínteses no real, estabelecendo o uno a partir do múltiplo.
Passemos, então, ao problema fundamental que Kant procura resolver na Crítica que se relaciona com a possibilidade científica da Metafísica. Este problema é expresso a partir da questão da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, a qual se relaciona com o estabelecimento dos critérios ou condições a priori que tornam estes juízos possíveis. Na “Estética Transcendental”, Kant demonstra que as formas puras da sensibilidade, espaço e tempo, são condições para um conhecimento possível. Neste sentido, afirma Kant que:
O tempo e o espaço são portanto duas fontes de conhecimento das quais se podem extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos, do que nós dá brilhante exemplo, sobretudo, a matemática, no que se refere ao conhecimento do espaço e das suas relações. Tomados conjuntamente são formas puras de toda intuição sensível, possibilitando assim proposições sintéticas a priori (CRP, A 39 / B 55)

Na dedução metafísica do espaço e do tempo, ou melhor, na “Estética Transcendental”, Kant afirma que essas formas da sensibilidade são representações a priori subjetivas, no sentido de pertencerem ao sujeito. Ao passo que na dedução transcendental Kant indica que o espaço e o tempo são condições sensíveis necessárias para a possibilidade do conhecimento de objetos da experiência possível. Em relação às condições intelectuais do conhecimento, os conceitos puros do entendimento ou categorias, Kant realizou primeiramente uma dedução metafísica. Tal dedução mediante a qual ele demonstra que as categorias são obtidas a partir das formas lógica dos juízos. Concebendo-os, assim, como predicados de juízos possíveis. E, posteriormente, na dedução transcendental, provou que elas referem-se aos fenômenos, visto que são condições a priori do entendimento através das quais um objeto em geral é pensado. A partir da dedução transcendental das categorias, Kant mostra a validade objetiva dos conceitos puros do entendimento na medida em que se referem aos fenômenos. Ou seja, aos objetos espaço/temporais, o que torna legítimo o uso dos mesmos, o qual deve fundamentar às condições da sensibilidade. A realidade objetiva das categorias ficou também estabelecida na dedução transcendental, quando Kant mostra que ao ser estas as condições para a experiência possível, as categorias referem-se aos objetos possíveis dessa experiência. Assim, conforme Kant, tanto as condições sensíveis, pertencentes à capacidade receptivas, quanto intelectuais, pertencentes à espontaneidade ou entendimento, são necessárias para a possibilidade do conhecimento e, ainda também, para experiência de objetos possíveis.
O movimento de transformação, que pode ser entendido como a análise propriamente dita se aplicado às considerações metodológicas da filosofia transcendental, logo fica a questão de como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Para tanto, deve ter havido uma procura para se identificar as operações necessárias para gerar as formas lógicas proposicionais admitidas como dadas, bem como construir formas intuitivas que tornem verdadeiras ou falsas as proposições. O caráter a priori das operações de formação de juízos e das operações da imaginação pura é um resultado dessa fase. Assim, as condições que fazem possíveis a esses juízos são as condições intuitivas e discursivas: intuições e conceitos. As quais são geradas através de operações a priori que se aplicam aos aparecimentos que fazem possível o conhecimento objetivo. As condições intuitivas são formas intuitivas a priori de toda intuição sensível, o espaço e o tempo, que informam aos aparecimentos. Já as discursivas, são formas lógicas das proposições que se aplicam indiretamente a eles mediante as formas intuitivas.
No segundo momento do procedimento de análise do método combinado, a resolução procura mostrar, por um lado, a verdade das premissas e por outro a legitimidade das construções alcançadas no movimento de transformação. Na resolução mostra-se a completude, unicidade e existência das operações a priori obtidas na etapa de transformação, as quais são justificadas no momento da resolução. O procedimento da dedução metafísica se dirige a encontrar mediante a análise, a origem a priori das condições que tornam possível o conhecimento objetivo. O espaço e o tempo são formas puras a priori da intuição sensível, o que é mostrado pela dedução metafísica. Esta dedução é uma exposição daquilo que pertence a um conceito dado a priori. Quanto à dedução metafísica das categorias, ela encaminha-se a examinar a possibilidade dos conceitos puros, cuja origem é o entendimento. Eles são encontrados mediante a decomposição desta faculdade, analisando o seu uso puro.
A dedução transcendental forma parte da resolução, é o segundo momento da etapa da análise do método combinado. Mediante a dedução transcendental, Kant pretende mostrar a validade e realidade objetivas tanto do espaço e do tempo quanto dos conceitos a priori ou categorias, mostrando-os como condições necessárias para a possibilidade do conhecimento objetivo. Ficando restrito o uso das categorias ao âmbito da experiência possível, isto é, conforme as formas puras da sensibilidade. Na síntese, segunda parte do método combinada, ocorre também dois momentos. No primeiro, chamado de etapa de construção, a figura que exemplifica a proposição conjeturada é efetivamente construída a partir das construções tomadas como legitimas na etapa de resolução. No segundo momento da síntese, prova-se a verdade da proposição inicial deduzida das premissas. São obtidas na primeira etapa da análise, a transformação, e justificadas na etapa de resolução, tendo em conta as construções realizadas no primeiro passo da síntese ou construção.
Kant adota o método combinado de análise e síntese, em que este possibilita a sua aplicação à matemática da construtibilidade de seu objeto, propondo para a metafísica o conceito de objeto possível. Um objeto é possível para Kant quando em seu “conceito está reunido o diverso de uma intuição dada” (B 137). Uma proposição é possível quando se pode determinar o valor de verdade da mesma, cuja demonstrabilidade depende de que o objeto ao qual se refere seja legitimamente construído ou possivelmente dado. Nesse sentido, para que um objeto seja possível devem satisfazer-se condições tanto sensíveis quanto intelectuais, isto é, condições da sensibilidade do espaço e do tempo. E, ainda, do entendimento os conceitos puros ou categorias. Portanto, a possibilidade das proposições remete necessariamente às condições da sensibilidade e do entendimento.
Kant sustenta que não pode se explicar o que é uma representação, não obstante possa dar-se uma indicação do que a mesma é: toda representação é algo em nós, algo que se refere a alguma outra coisa, qual seja, o objeto. Certas coisas representam algo, mas nós representamos coisas. Portanto, a representação refere-se a um objeto. Na primeira edição da Crítica da Razão Pura esta afirmação já se configura: “cada representação, enquanto representação, tem seu objeto” (A 108). Além disto, as representações encontram-se em nós, o que significa que ela é de natureza mental. Como Kant afirma também na Crítica: “Temos em nós representações das quais também podemos ser conscientes [...] (elas são) determinações internas de nosso espírito, nesta ou aquela relação de tempo” (A 197 / B 242). O autor ainda sustenta que toda representação apresenta seu objeto a algum sujeito consciente. O sujeito consciente sempre representa de algum modo psicológico especifico, que pode ser o aspecto formal da noção kantiana de representação.
A crença (o considerar algo verdadeiro) é um fato do nosso entendimento que pode repousar sobre princípios objetivos, mas que também exige causas subjetivas no espírito de quem julga [...] A opinião é uma crença, que tem consciência de ser insuficiente, tanto subjetiva como subjetivamente. Se a crença apenas é subjetivamente suficiente e, ao mesmo tempo, é considerada objetivamente insuficiente, chama-se fé [...] A crença tanto objetivamente como subjetivamente suficientes recebe o nome de saber. (A 820, 822 / B 848, 850)

Para Kant há dois tipos de conteúdos representacionais. O conteúdo proporcionado pelas intuições sensíveis, que é o aspecto material do conteúdo representacional (1) e o outro, o conteúdo conceitual ou a intenção de uma representação, constituída pelos conceitos puros do entendimento (2).
A interpretação da Crítica como uma semântica cognitiva tem como ponto de partida o idealismo transcendental de Kant. Kant denomina transcendental “a todo conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que de nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori” (B 25). Não só o tempo e o espaço como formas subjetivas a priori da sensibilidade respondem ao idealismo transcendental kantiano. Os conceitos puros do entendimento são também transcendentalmente ideais na medida em que são derivados das capacidades cognitivas não empíricas. Assim, o idealismo transcendental kantiano é uma doutrina das formas introduzidas nos conteúdos representacionais mentais pelas capacidades cognitivas a priori da mente, as quais são também introduzidas nos objetos do conhecimento. Uma conseqüência do idealismo transcendental é que os objetos do conhecimento são do mesmo tipo que às estruturas a priori da mente. Por essa razão, os juízos verdadeiros acerca destas estruturas da mente são necessariamente verdadeiros em relação aos objetos do conhecimento, pois os objetos do conhecimento estão constituídos em seu conteúdo, por as formas ou estruturas mentais além do conteúdo material sensorial.
Assim, a Crítica é uma semântica cognitiva porque ela é uma teoria das representações mentais objetivas a priori necessárias ou dos juízos sintéticos a priori. É fundamental para esta interpretação, explicitar como surgem as representações mentais objetivas a priori ou juízos sintéticos a priori. Na medida em que todo conhecimento a priori fundamenta-se na capacidade cognitiva para ter insight, o que depende da faculdade da imaginação. As representações mentais objetivas a priori surgem por um ato espontâneo, produzido pela mente ao ser acionada por inputs sensoriais, em conformidade a certas regras formais que agem sobre esses dados. O ato de geração de representações tem uma fonte transcendental mental que é não-sensorial. Essa fonte é um conjunto de capacidades de sintetizar ou processar informação sensorial, conforme a certas estruturas formais que são de três tipos: as formas puras da intuição sensível (1), os conceitos puros do entendimento ou categorias (2) e os esquemas transcendentais da imaginação (3). As diversas capacidades do processamento de informação confluem à uma unidade cognitiva bem organizada por uma capacidade executiva de síntese, que unifica os elementos do conhecimento de objetos. Essa unidade cognitiva bem organizada é a unidade sintética original da apercepção, cuja função é ser a base a priori para produzir a representação “eu penso”. O “eu penso” é o prefixo implícito de todo conhecimento possível.
De tal modo que as diferentes capacidades ou distintos poderes dentro da capacidade do processamento de informação compõem uma unidade ou corporação cognitiva. Cuja unidade deve-se a uma capacidade executiva que unifica os elementos da síntese, que constituem o conhecimento de objetos determinados a priori. Essa capacidade é a unidade sintética originária da apercepção:
Deve encontrar-se, portanto, um princípio transcendental da unidade da consciência na síntese do diverso de todas as nossas intuições; logo, também dos conceitos dos objetos em geral e ainda, por conseqüência, de todos os objetos da experiência, principalmente sem o qual seria impossível pensar qualquer objeto para as nossas intuições, pois este objeto não é nada mais do que alguma coisa, do qual o conceito exprime uma tal necessidade de síntese. Ora, esta condição originaria e transcendental não é outra que a apercepção transcendental. (A 106- 107)

A experiência é mesmo a ocasião para o conhecimento. O conhecimento depende de que possa ser aplicado a objetos efetivos ou possíveis da experiência. Mas, nem todo seu conteúdo representacional é determinado pela experiência sensorial ou derivado dela. Parte do conteúdo do conhecimento é constituído por sua estrutura subjacente, derivada de uma fonte formal não sensorial da mente, a unidade sintética da apercepção.
Não resta duvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levaram-na a compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? (B 1)

Em efeito, ao final da Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento, Kant afirma em relação à necessária concordância entre a experiência e os conceitos de seus objetos que ou é a experiência que tornam possíveis esses conceitos ou esses conceitos tornam possível à experiência. O primeiro caso fica descartado dado que as categorias são conceitos a priori, ou seja, independentes da experiência. Resta o segundo, os conceitos tornam possível a experiência, o que constitui para ele “uma teoria epigenética da razão pura, ou seja, que as categorias contêm, do lado de entendimento, os princípios da possibilidade de toda a experiência em geral” (B 167). Deste modo, a dedução transcendental das categorias tem como condições intelectuais para a possibilidade do conhecimento sintético a priori os conceitos puros do entendimento ou categorias. Cuja demonstrabilidade exige uma dedução que legitime o seu uso, o qual deve ficar restrito, conforme Kant, aos limites da experiência possível, isto é, as condições proporcionadas pela sensibilidade. Kant demonstra que as categorias, ou conceitos puros do entendimento, aplicam-se aos dados dos sentidos na dedução transcendental, inaugurando uma nova forma de proceder que responde a procedimentos de cunho jurídico desconhecido pelos seus predecessores. A dedução da primeira Crítica pretende ser uma prova, mas, se ela fosse definida silogisticamente, seria impossível encontrar os critérios para que a dedução fosse assim avaliada. Kant utiliza provas silogísticas na “Refutação do Idealismo” e nas “Antinomias”. Doravante, não é o caso quanto à dedução transcendental das categorias.














Referências Bibliográficas

KANT, I. Crítica de la Razón Pura. Buenos Aires: Ediciones Losada, 1957.
______Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste Gulbenekian, 1997.
______Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores)
PASCAL, G. Compreender Kant. Trad.: Raimundo Vier. Petrópolis: 2007.
THOUARD, D. Kant. Trad.: Teresa Moura Lacerda.São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
[1] Cf. Pascal. Compreender Kant. p. 7.