quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

um minuto de silêncio...

não entendo essa história do minuto de silêncio, que são destinados a poucos....
pois se ficassemos em silêncio a cada ser humano morto, justamente por outro ser humano ou por adversidades, o mundo permaneceria num eterno silêncio....
restringir esse minuto a poucos é declarar explicitamente a desigualdade...

NATAL

um minuto de silêncio pela morte de Jesus, que nasceu neste dia a dois mil e sete anos atrás...

domingo, 16 de dezembro de 2007

S.O.S

estou a procura de alunos!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Alerta para todas as mulheres do mundo!!!

Chocante! Infelizmente, verdadeiro!Feminicídio no Congo !
Dramaturga e ativista descreve ao Conselho de Segurança da ONU os crimes e atrocidades contra mulheres no Congo.

Por Eve Ensler

Volto do inferno. Procuro desesperadamente uma maneira para lhes contar o que vi e ouvi na República Democrática do Congo. Procuro uma maneira para lhes narrar as histórias e as atrocidades, e, ao mesmo tempo, evitar que fiquem abatidos, chocados ou afetados mentalmente. Procuro uma maneira de lhes transmitir o meu testemunho sem gritar, sem me imolar ou sem procurar uma AK 47.Não sou a primeira pessoa que denuncia as violações, as mutilações e as desfigurações das mulheres do Congo. Existem relatórios a respeito deste problema desde 2000. Não sou a primeira que conta essas histórias, mas, como escritora e militante contra a violência sexual contra as mulheres, vivo no mundo da violação. Passei dez anos a ouvir as histórias de mulheres violadas, torturadas, queimadas e mutiladas na Bósnia, Kosovo, Estados Unidos, Cidade Juárez (México), Quênia, Paquistão, Haiti, Filipinas, Iraque e Afeganistão. E, apesar de saber que é perigoso comparar atrocidades e sofrimentos, nada do que eu tinha escutado até agora foi tão horrível e aterrorizador como a destruição da espécie feminina no Congo.A situação não é mais do que um feminicídio, e temos que a reconhecer e analisar como tal. É um estado de emergência. As mulheres são violadas e assassinadas a toda hora. Os crimes contra o corpo da mulher já são horríveis por si. No entanto, há que acrescentar o seguinte: por causa de uma superstição que diz que, se um homem viola mulheres muito jovens ou muito idosas, obtém poderes especiais, meninas de menos de doze anos de idade e mulheres de mais de oitenta anos são vítimas de violação.Também é necessário acrescentar as violações das mulheres em frente de seus maridos e filhos. Mas a maior crueldade é a seguinte: soldados soropositivos organizam comandos nas aldeias para violar as mulheres, mutilá-las. Há relatos de centenas de casos de fístulas na vagina e no reto causadas pela introdução de paus, armas ou violações coletivas. Essas mulheres já não conseguem controlar a urina ou as fezes. Depois de serem violadas, as mulheres são também abandonadas por sua família e sua comunidade.No entanto, o crime mais terrível é a passividade da comunidade internacional, das instituições governamentais, dos meios de comunicação... a indiferença total do mundo perante tal extermínio. Passei duas semanas em Bukavu e Goma entrevistando as sobreviventes. Algumas eram de Bunia. Efetuei pelo menos oito horas de entrevistas por dia. Almocei e fui a sessões de terapia com essas mulheres. Chorei com elas. O nível de atrocidades supera a imaginação. Não tinha visto em nenhuma parte esse tipo de violência, de tortura sexual, de crueldade e de barbárie.No leste do Congo existe um clima de violência. Nesta zona as violações tornaram-se, tal como me disse uma sobrevivente, um “esporte nacional”. As mulheres são menos do que cidadãs de segunda classe. Os animais são mais bem tratados. Parece que todas as tropas estão implicadas nas violações: as FLDR, as Interahamwe, o exército congolês e até as Forças de Paz da ONU. A falta de prevenção, de proteção e a ausência de sanções são alarmantes.Passei uma semana no Hospital de Panzi, vivendo em uma aldeia de mulheres violadas e torturadas. Era como uma cena de um filme de terror futurista. Ouvi histórias de mulheres que viram os seus filhos serem brutal e cinicamente assassinados. Mulheres que foram forçadas, sob a ameaça de armas, a ingerir excrementos, a beber urina ou a comer bebês mortos. Mulheres que foram testemunhas da mutilação genital dos seus maridos ou, durante semanas, violadas por grupos de homens. Essas mulheres faziam fila para me contar as suas histórias. Os traumas eram enormes e o sofrimento extremamente profundo.Sentei-me com mulheres que tinham sido cruelmente abandonadas por suas famílias, excluídas por causa do seu cheiro, e pelo que tinham sofrido. Eu quero lhes falar da Noella. Mudei-lhe o nome para a proteger porque ela só tem nove anos de idade. Noella vive dentro de mim agora, persegue-me, leva-me a agir, a lembrar. Ela é magra, muito inteligente e viva. O dano está no seu corpo ligeiramente torto, envergonhado, preocupado. Ela sente a ansiedade nos seus pequenos dedos. Começa a contar a sua história como se ainda vivesse. Para ela o tempo parou. “Uma noite as Interahamwe vieram à nossa casa. Eles não deixaram nada. Pilharam nossa casa. Levaram a minha mãe para um lado, o meu pai para outro e a mim para outro. Levaram-me para o mato. Um deles pôs qualquer coisa dentro de mim. Não sei o que foi. Um disse para o outro, não faça isso, não faça mal a uma criança. O outro me bateu. Eu fiquei sangrando. Ele me bateu mais e eu caí. Depois me abandonou. Passei duas semanas com os soldados. Eles me violaram constantemente. Às vezes usavam paus. Um dia me deixaram no mato. Tentei caminhar até a casa do meu tio. Consegui, mas estava demasiado fraca. Tinha febre. Estava muito mal. Cheguei até a casa. O meu pai tinha sido morto. A minha mãe voltou, mas em muito mau estado. Comecei a perder a urina e as fezes sem controle. Depois minha mãe percebeu que eles tinham me violado e destruído. Eles registraram o que tinha me acontecido e me trouxeram para cá. Estou contente por estar aqui. Já não perco a urina e ninguém ri de mim. Os rapazes riem de mim. Já não tenho vergonha. Deus julgará aqueles homens, porque eles não sabem o que fazem. Quero me restabelecer. Também penso em como eles mataram o meu pai. Sempre que penso no meu pai as lágrimas caem pelo rosto.”O Dr. Mukwege, que, tanto quanto posso dizer, é um tipo de médico “santo” no hospital, disse-me que a uretra da Noella está destruída. Sendo tão jovem, ela não tem tecido suficiente para operar. Terá de esperar oito anos. Oito anos de vergonha e humilhação. Oito anos em que será forçada a recordar todos os dias o que aqueles homens lhe fizeram na floresta, antes dela ter idade suficiente para saber o que era um pênis. Ela é incontinente. O médico me disse: “O que acontece a essas jovens é terrível. Elas têm muito medo de serem tocadas por homens. Às vezes leva semanas até eu conseguir tratá-las. Dou-lhes bombons e trago-lhes bonecas.”As mulheres sofrem imensamente. Estão debilitadas pelas violações, as torturas e a brutalidade. Não têm praticamente apoio nenhum. Depois de viver essas atrocidades, são incapazes de trabalhar nos campos ou de transportar coisas pesadas, por isso deixam de ter renda. Vi chegar pelo menos doze mulheres por dia a essa aldeia. Chegavam mancando e apoiadas em bengalas feitas à mão. Várias mulheres contaram-me que “as florestas cheiravam à morte”, e que “não se podia dar nem cinco passos sem tropeçar com um corpo”.Durante a semana que passei em Panzi, o governo cortou a água. Por isso, o hospital, onde havia centenas de mulheres feridas, ficou sem água. O mesmo hospital pelo qual as mulheres tinham andado mais de sessenta quilômetros porque não havia outro mais perto. O mesmo hospital onde não havia nada para comer, (duas crianças morreram por má nutrição em um dia), onde as mulheres tinham de ficar durante meses, às vezes anos, porque as suas aldeias eram tão perigosas ou porque eram tão rejeitadas, após terem sido violadas e desonradas, que não tinham um lugar para onde voltar, onde as mulheres não podiam apresentar queixa porque os violadores podiam facilmente comprar a sua saída da prisão, voltar e violá-las outra vez, ou matá-las.E, enquanto nós estamos aqui escrevendo nosso relatório, há mulheres que estão sendo violadas, meninas que estão sendo destroçadas para sempre, mulheres sendo testemunhas do assassinato (a golpe de catana) de suas famílias, e outras que estão sendo infectadas pelo vírus da AIDS. Onde está a nossa indignação? Onde está a consciência das pessoas?Em 1999, eu voltei aos Estados Unidos de uma viagem ao Afeganistão, ainda debaixo do poder dos talibãs. As condições das mulheres, a violência... era uma loucura. Dirigi-me a todas as pessoas que consegui encontrar, canais de televisão, revistas, líderes etc. Com exceção de uma revista, ninguém parecia estar interessado no problema das mulheres afegãs.Naquela altura eu sabia que, se não se interviesse, se o mundo não se levantasse e ajudasse as mulheres, haveria graves conseqüências internacionais. Sabemos o que aconteceu depois. Não apenas o 11 de Setembro, mas a reação ao 11 de Setembro, a profanação do Iraque, a justificação dos ataques preventivos, o aumento da militarização e violência e o terror que ainda hoje continua a aumentar.As mulheres são o centro de qualquer cultura e sociedade. Embora possam não ter poder ou direitos, o modo como são tratadas ou não valorizadas, indica o que a sociedade sente em relação à própria vida. As mulheres do Congo são resistentes, poderosas, visionárias e solidárias. Com poucos recursos elas poderiam ser líderes do país e tirá-lo do seu atual estado de desordem, pobreza e caos; ou podem ser aniquiladas e, com elas, o futuro do país. A República Democrática do Congo é o coração da África, o centro dinâmico e a promessa do futuro. Se se permitir a destruição das mulheres, mata-se a vida, não apenas do Congo, mas de todo o continente africano.Eu estou aqui como artista e ativista, mas, sobretudo, estou aqui como um ser humano destroçado pelo que ouvi na República Democrática do Congo. Estou aqui para implorar àqueles que têm poder, para declarar estado de emergência no leste do Congo, para dar um nome ao que está sendo feito às mulheres: feminicídio. Para se unirem à nossa campanha internacional para parar as violações do melhor recurso do Congo, e dar poder às mulheres e jovens do Congo. Para desenvolver os mecanismos para proteger essas mulheres, para impedir esses crimes horrorosos e desumanos.Recomendações para terminar com a violência contra as mulheres e jovens na República do CongoA impunidade da violência sexual tem que terminar. Apesar de centenas de milhares de mulheres e jovens violadas, não houve, praticamente, nenhuma acusação. Incumbe a toda a comunidade internacional fortalecer mecanismos na República Democrática do Congo para assegurar que os violadores serão levados à Justiça, e as vítimas protegidas, através de ações judiciais. (Mais mulheres juízas, assim como mais mulheres na polícia e advogadas são essenciais para que isso aconteça).Está previsto que membros do Conselho de Segurança vão à República Democrática do Congo na próxima semana. É importante que eles:a) Falem com o Governo seriamente sobre o assunto da violência sexual. Devem abordar esse tema com o presidente, e perguntar, especificamente, o que ele está fazendo para assegurar que os militares (que são os que mais cometem esses crimes) não cometam crimes de violência sexual, e que os comandantes sejam responsabilizados pelas ações dos seus soldados, e que os soldados sejam também levados à Justiça.b) Ao reunirem-se com o Parlamento e as autoridades eleitas, os membros do Conselho de Segurança devem insistir para que seja estabelecida uma comissão parlamentar sobre a violência sexual. Devem também apelar para que se inicie um debate público com o ministro da Defesa sobre esse tema.c) A Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) deveria estabelecer uma unidade de combate contra a violência sexual, incluindo pessoal militar e civil, para dar prioridade à “resposta dada às sobreviventes de violência sexual e à proteção de mulheres e crianças, sobretudo em Goma e Bakuvu”. Os países que contribuem com tropas também têm que ter um papel mais ativo, enviando mulheres como soldados da paz.d) Os estados membros e as Nações Unidas devem mostrar o seu compromisso para terminar com a violência contra as mulheres da República Democrática do Congo através da atribuição de recursos financeiros significantes. Existem alguns bons projetos, por exemplo, o Hospital de Panzi, mas isso é muito pouco quando consideramos as enormes necessidades e a magnitude da violência. São necessários mais recursos, que poderiam ser usados para apoiar, por exemplo, programas de rádio/televisão realizados por mulheres sobre os direitos das mulheres, violência contra as mulheres, e outros temas importantes que precisam ser abordados para romper o silêncio sobre a violência sexual.e) Os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas devem pedir ao secretário-geral que providencie um relatório sobre a situação da violência sexual na República Democrática do Congo.

Esse relatório deve ser recebido pelo Conselho em tempo oportuno (três meses).17/10/2007

Texto original divulgado em 15/06/2007
Este artigo foi traduzido do inglês para o português por Cristina Santos, membro de Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade lingüística, e revisada para ViaPolítica por Omar L. de Barros Filho. Ambas versões podem ser reproduzidas livremente, na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, aos tradutores, aos revisores e à fonte.Fonte: TlaxcalaURL do original em português:http://www.tlaxcala.es/ pp.asp?reference=3924&lg=poPara outras informações sobre o trabalho de Eve Ensler, visite V-DayLeia também os artigos de Eve Ensler traduzidos para português em Tlaxcala

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

....

me perdi. e não consigo me encontrar, a minha essencia qual é?
os paraísos artificiais agora me parecem prisões, onde o meu ser não se reconhece mais...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

enfim...

há tempos não atualizo o blog, não tenho tido tempo, estou num ostracismo virtual ridiculo...
não abandonei apenas o blod, abandonei um pouco de mim,
tento abandonar e refinar conceitos e idéias, outro prisma, sempre!
apesar de tempos entediantes e nebulosos o otimisto ainda paira sobre mim...
definitivamente filosofia não é fácil, e é ainda mais díficil sobreviver sem a academia, os tramites e as normas, acostumar-se a isso...sobreviver...tédio...dignidade...amor-próprio...

é tudo bobagem!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A FILOSOFIA DA LINGUAGEM EM WALTER BENJAMIN: FRANZ KAFKA E A OUTRA POSSIBILIDADE DA LINGUAGEM

São diversas as razões pelas quais a filosofia da linguagem de Walter Benjamin não tem um estatuto científico, a sua posição em face à linguagem terá sido, sobretudo, uma tática a mais que o filósofo recorreu para tentar definir sua tarefa de pensador. Benjamin tinha um espírito livre, buscava o conhecimento pela experiência, ou melhor, pela experimentação. Nunca formalizou a sua participação no Instituto de Pesquisas Sociais, a chamada Escola de Frankfurt, sendo conhecido como um “companheiro de viagem”. Preferiu a Europa fascista aos Estados Unidos da América ou até mesmo Israel, onde residia o amigo Gershom Scholem. Era um homem que buscava o seu próprio ser, a sua própria essência.

Aqui nos ateremos, sobretudo, ao texto Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana de 1916, que expressa uma parte importante e constituinte do seu pensamento sobre a linguagem. E o ensaio “Franz Kafka. A propósito do décimo aniversário de sua morte” (1934), que referiremos num segundo momento de nosso trabalho, para explicitar alguns pontos da linguagem e da modernidade. A filosofia da linguagem benjaminiana fundará as bases para, posteriormente, ser desenvolvida a sua teoria da arte e a sua filosofia da história.

No texto Sobre a linguagem, Benjamin parte da idéia de que a própria linguagem não é uma particularidade do homem. Tudo, na Criação, é linguagem, e a linguagem do homem mais não é que uma forma privilegiada da linguagem em geral. Numa época em que Wittgenstein e outros elaboram uma lingüística científica, Benjamin parece voltar a uma concepção pré-moderna, metafísica e mística do Livro do Mundo, em que tudo fala, em que tudo se comunica. Mas o que a linguagem comunica? Segundo Benjamin ela comunica-se por si mesma, e comunica a essência espiritual correspondente na linguagem, não pela linguagem. Ou seja, antes de se tornar, ilusoriamente, instrumento de comunicação de um conteúdo particular[1]. Tratar-se-á, em última análise, de afastar a linguagem de toda a concepção instrumentalista[2].

Benjamin afirma que toda a linguagem humana comunica a essência espiritual que lhe corresponde. Nota-se, contudo, que tal essência espiritual comunica-se na linguagem e não pela linguagem. Ressalta-se com veemência que toda a linguagem se comunica a si mesma, isto antes de poder ser, ainda que ilusoriamente, instrumento de comunicação de um conteúdo particular. É então que surge a concepção da linguagem como magia, a propósito de toda a comunicação espiritual - que se produz na linguagem e não pela linguagem. A “magia da linguagem” está em que ela comunica em si mesma, e de forma absoluta[3]. Benjamin distingue-a de uma falsa magia inerente ao uso instrumental da linguagem, uso que será alvo de uma tentativa de libertação. Assim, como a linguagem das coisas e dos acontecimentos, também a linguagem humana exprime e comunica antes de toda a comunicação instrumental. Daí o propósito central que norteava Benjamin: libertar toda a linguagem do caráter instrumentalista. Em tal processo, distinguem-se duas linguagens: a linguagem das coisas e a linguagem dos nomes.

A linguagem das coisas é a própria essência lingüística das coisas e que se comunica ao homem. Porém, no caso da linguagem do homem, sabemos que ele fala por palavras onde comunica a sua própria essência espiritual - e isto denominando todas as outras coisas. E é assim que Benjamin lança a questão: comunica-se a quem tal linguagem? O autor assinala a diferença então ao nível do destinatário destes dois tipos de linguagem. Por um lado, as coisas e os seres da natureza comunicam-se ao homem. Mas, por outro lado, quando o homem nomeia, no nome, a essência espiritual do homem transmite-se a Deus. Liberta assim a linguagem humana de uma concepção instrumental, a que ele chama de “concepção burguesa da linguagem”. Deus é a testemunha dessa faculdade humana de nomear, pela qual a humanidade exprime a sua essência espiritual. Benjamin rompe, deste modo, com qualquer teoria da linguagem que associe a palavra humana a funções meramente pragmáticas, uma característica da concepção burguesa da linguagem.

Esta faculdade de nomear faz do homem uma instância privilegiada da Criação divina – é que a Criação completa-se justamente através do ato de nomeação do homem. E é assim que se estabelece uma graduação de todos os seres espirituais, segundo “graus de existência” ou “segundo graus de ser”, como já sucedia na escolástica, em função do conceito filosófico-religioso de revelação. A idéia de Benjamin é a de que o domínio espiritual mais elevado da religião é simultaneamente o único que o inexprimível não conhece. Porque é interpelado no nome e se manifesta como revelação. Imagina-se, então, uma ordem genealógica da linguagem, a partir de um evento eruptivo.

No entanto, Benjamin sustenta em seu ensaio Sobre a linguagem, que só em Deus existe a relação absoluta do nome com o reconhecimento, só aí o nome é idêntico à palavra criadora. Considera, portanto, ter havido na comunicação entre os homens a perda da linguagem originária – a linguagem dos nomes, que nada sabe da exterioridade e na qual o nome e a coisa coincidem de maneira quase absoluta. É que, como afirma, a linguagem só se exprime de um modo puro quando fala no nome, a verdadeira e última invocação da linguagem. No nome, acumula-se “a totalidade intensa da linguagem”. Mas fora dele, no uso, fica a indeterminação, dado que nunca se trata nem da verdadeira nem da última invocação da linguagem.

A partir do momento preciso da perda da linguagem originária e da multiplicação de linguagens, toda a linguagem humana é apenas reflexo da palavra no nome. Assim, a linguagem surge com possibilidades limitadas. Isto quando comparada com a palavra Criadora, a palavra de Deus. E então o reflexo mais profundo a que podemos aceder é o nome humano – só aí atingimos uma modesta participação íntima na palavra divina, na sua infinitude. No entanto, ressalta que nesse mesmo ponto que é o nome a palavra não pode tornar-se palavra finita nem conhecimento. Ou seja, não pode ser alvo de uma única e última interpretação, de uma análise definitiva. Não é sempre ou necessariamente o mesmo aquilo a que a linguagem se refere. E deste modo, é linguagem dispersada e transformada num “mero sistema de signos arbitrários”.

Com o uso da linguagem, surge perante nós, marcada pela convenção, cada denominação que pode assim nomear uma ou outra coisa. Enfatizando como é evidente e determinante a brecha que se abriu aqui entre a coisa e o nome: dá-se a perda da linguagem dos nomes, o que ocorre no momento preciso em que o uso chega. Esta idéia da linguagem dos nomes parece conformar-se à idéia tradicional de obra de arte, que Benjamin tão bem reflete, principalmente no seu ensaio sobre a “Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (1936/1937).

Na tradição, a obra de arte é apresentada como com uma existência autêntica, única, com o hic et nunc de um evento irredutível e insubstituível: como a aparição daquilo que permanece protegido da reprodutibilidade geral. A obra de arte tradicional gera um efeito de sacralização, produzido pela aura, que remete de volta a uma função ritual; em certa medida, ela é um nome. Como mostra Benjamin neste ensaio sobre a “Obra de arte”, é a reprodução técnica que destrói a autenticidade da obra de arte tradicional. Isto é também visível no processo que submete a linguagem ao princípio da reprodução, e nomeadamente da reprodução técnica. Mas a forma que a linguagem assume na era da reprodutibilidade técnica é precisamente esta: falar e escrever em clichês. Quando “cunhamos ditos” usamos em cada vez expressões tão gastas que acabam por assegurar que a linguagem criada pela imprensa, que é tida como a instituição da reprodutibilidade técnica, é uma linguagem de citações sem referências. A citação aparece assim como um vestígio da comunicabilidade no interior da própria comunicação.

Sob uma nova perspectiva da linguagem em Walter Benjamin, pode-se ressaltar a importância da leitura que este fez de Franz Kafka. Tal leitura desenvolve-se entre 1934 e 1938, as cartas entre Benjamin e seu amigo Gershom Scholem demonstram como essa troca de idéias foi relevante, principalmente para a consolidação de parte das “Teses sobre o conceito de história” (1940), versando principalmente a filosofia messiânica da história. Sabe-se que Benjamin leu em 1927, O Processo, de Kafka. A interpretação que então fez divergiu da que lhe era proposta por Scholem.

Pode-se considerar que Benjamin tenha tido duas etapas nas leituras que fez de Kafka. Na primeira leitura verificou como a transição da tradição para a modernidade se manifesta do ponto de vista da modernidade, como uma possibilidade que se abre. Na segunda etapa, refletiu o ponto de vista da tradição. O ensaio que escreveu sobre Kafka, “Franz Kafka. A propósito do décimo aniversário de sua morte” (1934), têm uma linha de argumentação bastante clara. O ponto de partida é um exame da natureza do mundo de Kafka, centrado no lugar que nele ocupa a lei: “é certo que na obra de Kafka o direito escrito existe nos códigos, mas eles são secretos, e através deles a pré-história exerce seu domínio ainda mais ilimitadamente”[4]. O caráter secreto da origem da lei torna a situação do acusado desesperada. E é esse desespero que “revela a beleza” do acusado. É que Kafka torna belo o desespero daqueles que sofrem uma lei desconhecida, através da descrição da sua situação sem solução aparente, sejam quais forem as suas esperanças individuais. Este desespero distancia a obra de Kafka da restauração do mito:
“Kafka não cedeu à sedução do mito. Novo Odisseus, livrou-se dessa sedução graças ao ‘olhar dirigido a um horizonte distante’[...]. Pois Odisseus está na fronteira do mito e do conto de fadas. A razão e a astúcia introduziram estratagemas no mito; por isso, os poderes míticos deixaram de ser invencíveis. O conto é a tradição que narra a vitória sobre esses poderes. Kafka escreveu contos para os espíritos dialéticos quando se propôs narrar sagas”[5]

A dialética da interpretação benjaminiana de Kafka oscila, pois, nesta dupla referência: por um lado, um mundo anterior ao mito; por outro, um mundo que o superou, justamente pela existência da lei. Ao fazer parte de um mundo em que a realidade da lei é legitimada no tocante à sua forma escrita, Kafka não pode deixar de apresentar a opacidade dessa lei para o indivíduo, em termos de alguma origem escrita. Trata-se assim de um mundo pré-histórico e pós-mítico, pela sua apresentação da forma racional da lei. A principal conseqüência dessa ambivalência é a indeterminação interpretativa, e será esta indeterminação que constituirá o significado da obra de Kafka.

O mundo de Kafka é determinado só na sua indeterminação. Como afirma Benjamin: “toda a obra de Kafka representa um código de gestos, cuja significação não é de modo algum evidente, desde o início, para o próprio autor; eles só recebem essa significação depois de inúmeras tentativas e experiências, em contextos múltiplos”[6]. Isto do mesmo modo que os seus personagens usam para, em vão, extrair um significado conclusivo das circunstâncias em que se inserem. As histórias de Kafka pedem para serem lidas como parábolas e, ao mesmo tempo, recusam-no.
“Não são parábolas e não podem ser lidas no sentido literal. São construídas de tal modo que podemos citá-las e narrá-las com fins didáticos. Porém conhecemos a doutrina contida nas parábolas de Kafka e que é ensinada nos gestos e atitudes de K. e dos animais kafkianos? Essa doutrina não existe; podemos dizer no máximo que um ou outro trecho alude a ela. Kafka talvez dissesse: esses trechos constituem os resíduos dessa doutrina e a transmitem. Mas podemos dizer igualmente: eles são os precursores dessa doutrina, e a preparam. De qualquer maneira, trata-se da questão da organização da vida e do trabalho na comunidade humana”[7].

De qualquer modo, “no espelho da culpa, que o mundo primitivo lhe apresentou, ele viu apenas o futuro, sob a forma do tribunal”[8]. Mas, acrescentou Benjamin: Kafka “não contou como ele era”. Evidencia-se neste ensaio que Kafka compreendeu as coisas somente na forma de um gestus, mas que não foi capaz de compreender esse gestus em si. E, deste modo, em Kafka a narrativa retoma a significação que tinha na boca de Scherazade, nas Mil e Uma Noites: “adiar o que está por vir”[9].

Como já dissemos acima, havia sido Scholem que motivou Benjamin para a leitura de Kafka. É, então, que ele encontra uma afinidade com a linguagem do juízo final, o prosaico na sua forma mais canônica. Fazendo jus à originalidade do seu pensamento, para Benjamin o aspecto de maior saliência nas leituras de Kafka é a ignorância que perpassa por todo o seu mundo, e que vai tomar a forma de esquecimento.

A propósito disto, Benjamin cita Willy Haas, sobre O Processo: “o verdadeiro herói desse livro inacreditável, é o esquecimento”. E continua: “cujo principal atributo é o de esquecer-se a si mesmo... Ele se transformou em personagem mudo na figura do acusado, figura da mais grandiosa intensidade”[10]. Onde Scholem vê julgamento, Benjamin vê memória, uma memória de que o personagem K. está para sempre alienado: “quando outros personagens têm algo que dizer a K., eles o dizem casualmente, como se ele no fundo já soubesse do que se tratava”[11]. Podemos notar nessa passagem que é como se nada de novo estivesse a ser comunicado, e ele fosse apenas convidado a relembrar.

Benjamin asseverou como a obra de Kafka indica um estado do mundo em que tais perguntas não têm mais lugar porque as suas respostas, longe de serem instrutivas, tornam as perguntas supérfluas. A experiência do presente, e com certeza a modernidade também, em termos da sua forma, nova e radicalmente abstrata formula por si mesma perguntas suficientes. É a questão do homem dilacerado, o homem moderno tentando recolher as suas migalhas e partes. Nesse sentido, pode-se observar como os escritos de Kafka proporcionaram a Benjamin elementos de análise do pólo da tradição – mas de uma tradição em luta com a modernidade, e dessa mesma tradição em crise. Também a modernidade em Kafka é assim vista sob o signo da tradição e da cabala, como forma de interpretação e de conhecimento.

Segundo a teoria da linguagem de Benjamin, o que a linguagem tem de comum com a sua comunicabilidade é uma ínfima e inumerável sombra de verdade. Verdade essa que está acima de qualquer linguagem em particular. A importante tentativa de comunicar a experiência da modernidade numa linguagem da tradição e o seu fracasso, afirma Benjamin, tornam a obra de Kafka exemplar para ilustrar o seu pensamento. Porém, o que é central na obra de Kafka para esta questão é a indeterminação interpretativa, que constitui o significado da obra kafkaniana. Como em Benjamin, a verdade, também, está nos livros, numa escrita primeira afastada na distância, a que não temos acesso. É que o seu caráter secreto não nos permite ter as coisas pela linguagem de forma definitiva, alguma vez acabada. Há aqui, como em Benjamin, o desespero paradoxalmente fascinante de não nos podermos adaptar à convenção; o tal prazer em que se “articulam sentidos e espíritos”, na interpretação, na crítica e na análise.












Referencias Bibliográficas:

BENJAMIN, W. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet; prefácio: Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. SP: Brasiliense, 1996. (Obras escolhidas; v. I)

_________________. Rua de mão única. Trad.: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. SP: Brasiliense, 1987. (Obras escolhidas; v. II)

_________________. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Trad.: Márcio Seligmann-Silva. 3ª ed. SP: Iluminuras, 2002. (Biblioteca Pólem)

________________. Origem do drama barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

______________; SCHOLEM, G. Correspondência. Trad.: Neusa Soliz. SP: Editora Perspectiva, 1993. (Coleção Debates, Filosofia)

BENJAMIN, A.; OSBORNE, P. (orgs.). A filosofia de Walter Benjamin: Destruição e experiência. Trad.: Maria Luiza X. de A. Borges. RJ: Jorge Zahar, 1997.

____________. O Castelo. Trad.: Modesto Carone. SP: Companhia das Letras, 2000.

ROCHLITZ, R. O desencantamento da arte: a filosofia de Walter Benjamin. Trad.: Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

[1] Cf. Rochlitz. O desencantamento da arte. p. 24.
[2] Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método, desenvolve uma “uma hermenêutica também oposta às concepções instrumentalistas da linguagem. Segundo ele, a linguagem é o ‘meio universal no qual a compreensão ocorre’ e não é, portanto, como em Benjamin, uma concepção mística conferindo ao homem um papel messiânico na Criação, mas uma teoria profana do primado da tradição inerente à linguagem sobre a razão e o conhecimento”. Idem, p. 34 e 35.
[3] Cf. Idem, p. 24.
[4] Benjamin, Obras escolhidas, v. 1, p. 140.
[5] Idem, p. 143.
[6] Idem, p. 146.
[7] Idem, p. 148.
[8] Idem, p. 154.
[9] Idem, ibid.
[10] Idem, p. 156.
[11] Idem, ibid.