quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Liberdade de escolha

Esta semana quero compartilhar uma experiência vivida no ensino. Como vocês já sabem sou professora universitária, e na última quinta-feira, eu e outra professora promovemos uma aula diferente. Combinamos de juntar as nossas turmas e trazer alguns convidados para falar sobre “Manifestação da fé”. Foi uma idéia incrível.
O resultado não poderia ter sido mais positivo!
Confesso que estava apreensiva. O que era natural, já que seria a primeira vez que estávamos fazendo uma “mesa redonda” com lideres religiosos de diversas crenças. Fiquei ansiosa para ver qual seria a postura e reação dos alunos.
Convidamos um pastor, um umbandista, um padre e representantes do budismo. Cada um falou sobre a sua fé, a sua ESCOLHA. Foi uma oportunidade, um momento em que muitos mitos e tabus foram dissipados. A desmistificação é um processo importante para a aquisição do conhecimento, da cultura e da formação de uma consciência moral.
O senso comum não pode mais ser calcado em mitologias modernas, temos que ser esclarecidos, pois a ignorância leva à violência e à intolerância.
Temos que parar de pensar que uma religião é melhor do que a outra. Imaginem se todos nós gostássemos apenas da cor preta? Ou da cor azul? É tudo uma questão de gosto, estilo, crença, cultura, enfim, de se sentir bem.
A grande busca de nossas vidas deve ser a felicidade, se sentir bem, independente do que os outros pensam. Uma felicidade fundada no presente, porque ninguém vive de passado e muito menos do que está por vir. Viver o hoje eticamente. Viver o hoje não fazendo mal a ninguém. Viver o hoje com a intensidade de uma vida desprendida de materialidade.
Charlatões estão por toda a parte, como em todas as esferas da sociedade: ensino, política, religião... Devemos usar o bom senso e saber escolher todos os lugares que freqüentamos. Tolerância e bom senso devem andar juntos, sempre.
A manifestação da fé deve ser algo pessoal, puro e íntegro. Algo realmente levado a sério e livre de julgamentos de valores, como “a minha fé é melhor do que a sua”. Desta forma, manifestações da fé de forma impositiva devem ser repensadas, porque podem incomodar pessoas de orientações religiosas diversas. Cito dois exemplos: romeiros saem por vai andando juntos e manifestando a sua fé de forma coletiva, isso não deve incomodar ninguém, já que eles estão expressando coletivamente a fé deles, para eles, para o Deus deles. Agora, na Copa do Mundo de 2010, a Fifa quer proibir qualquer manifestação coletiva da fé, neste caso a “proibição” é justificável. Explico: depois da final da Copa das Confederações, a seleção brasileira se reuniu dentro de campo para rezar pelo título conquistado do torneio, liderado por Kaká. Este gesto foi criticado pelo presidente da Federação de Futebol da Dinamarca, Jim Stjerne Hansen. Eu não sou adepta à proibições, mas no caso de uma Copa do Mundo estaremos em contato com muitas religiões e religiosidades, e impor a fé dos jogadores não é algo legal, já que pode ofender a outros. Não é o contexto apropriado.
Não me interpretem mal, mas atletas fazendo sinal da cruz ao entrar em campo, beijando anéis, medalhas de santos, cruzes e patuás que trazem pendurados em cordões e apontando aos céus como a agradecer pelo gol marcado. Ninguém tem nada a ver com isso, são manifestações individuais. Mas uma manifestação coletiva, explícita e organizada como um ritual religioso pode dar margem a críticas ao ser associada a um bem público. A religiosidade de cada um seja ela qual for merece respeito, da mesma forma como merece ser respeitada a falta de religiosidade daqueles que assim optaram a seguir a vida. O respeito e a liberdade são condições de uma boa vida, e de uma fé autentica.

Querer estar perto

Quando amamos nós vivemos num estado de suspensão. Queremos sempre o amado (a) por perto. No entanto o que “rola” é sempre a velha história da utopia de perfeição e até a utopia do auto-conhecimento. Queremos que o parceiro seja perfeito aos nossos olhos, mas ninguém consegue atingir a perfeição, justamente pelo fato da própria utopia do auto-conhecimento. Temos a ilusão de nos conhecermos. Mas o que sempre acontece é em algum momento da vida (ou todos os dias) nos perguntarmos: quem somos?
Como queremos nos conhecer, ter esse auto-conhecimeto e compreender o outro se nos dias atuais não temos tempo? E não só tempo, mas também paciência. Temos preguiça de nos relacionar. O que impera hoje é a máxima: “Eu não te ouço e você não me ouve”. Vivemos em um mundo surdo, só escutamos quando nos convém. Só ajudamos quando há interesses. Não nos relacionamos de forma fluídica e desinteressada. Acabamos fazendo o outro como meio, e não como um fim de uma ação.
Podemos pensar no amor. Em todas as suas configurações livres. Mas, o que é amar? O que é amar uma pessoa? Tive a liberdade de colocar aqui neste, “meu” pequeno espaço, um poema de Carlos Drummond de Andrade intitulado “Quero”, que na minha opinião é belo e expressa o querer estar perto, o bem-querer, e está em sintonia comigo, e com certeza com muitos leitores e leitoras:
“Quero que todos os dias do ano; todos os dias da vida; de meia em meia hora; de 5 em 5 minutos; me digas: Eu te amo. Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado. No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo? Quero que me repitas até a exaustão que me amas; que me amas; que me amas. Do contrário evapora-se a amação; pois ao não dizer: Eu te amo, desmentes apagas teu amor por mim. Exijo de ti o perene comunicado. Não exijo senão isto, isto sempre, isto cada vez mais. Quero ser amado por e em tua palavra; nem sei de outra maneira a não ser esta de reconhecer o dom amoroso, a perfeita maneira de saber-se amado: amor na raiz da palavra e na sua emissão, amor saltando da língua nacional, amor feito som vibração espacial. No momento em que não me dizes: Eu te amo, inexoravelmente sei que deixaste de amar-me, que nunca me amastes antes. Se não me disseres urgente repetido; Eu te amoamoamoamoamo, verdade fulminante que acabas de desentranhar, eu me precipito no caos, essa coleção de objetos de não-amor”.
O amor é ordem, o caos a desordem. Sem amor não vivemos, o ser humano se alimenta de amor. O problema é quando a sociedade do consumo coloca os seus produtos no mesmo patamar do sentimento puro, aí o caos se instaura. As pessoas ficam confusas e não diferenciam uma necessidade fetichista de consumo com o amor desinteressado.
Homens e mulheres sentem a necessidade de ouvir e sentir o amor, o amor do amado (a). O belo poema de amor de Drummond enaltece o maior sentimento do ser humano. O texto desta semana é um apelo a todos os leitores e leitoras, para que pensem e reflitam se amam e estão sendo amados.
Não transfira para bens de consumo o potencial emotivo que reside dentro de você. Parece papo de “chalalá”, mas é verdade. Vamos realmente amar uns aos outros. E, principalmente, não esquecer de comunicar isso às pessoas, seja em palavra, texto ou gesto.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

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lembrei! ufaa! detesto quando não consigo lembrar das minhas próprias idéias e devaneios. era sobre a autenticidade das obras de arte. estava pensando que hoje customizamos os bens de consumo que podem se encaixar como arte. p. ex. um quadrinho pintado, comprado há um tempo. eu sei que o quadrinho - mesmo sendo pintado à mão - ele é feito em série, ele pode conter em potencia a autenticidade da obra, mas não tem, mas com o seu uso ele pode vir a ter uma certa autenticidade. O seu "ter o objeto que pode vir a ser obra de arte" é uma idéia interessante. Pensei em várias outras coisas que se relacionam. Bom, apenas pensei, apenas idéias.

sábado, 3 de outubro de 2009

Chegadas e partidas

Manicuras. Cabeleireiros. Homens. Mulheres. Dentista. Médicos. Amigos. Pessoas, enfim. Cachorros. Gatos, Amores, Roupas, Medidas, Filmes, Moda, Estilos, Rótulos, Empregos.
Tudo nasce, cresce e morre. Esta é a lei de que nada é para sempre. Nem o nosso planeta durará para sempre. Do jeito que nós, indivíduos perenes, estamos tratando mal dele, logo logo se vai.
As pessoas acham que tem controle de suas vidas, mas depois acabam descobrindo que tudo pode mudar num segundo. E por quê? Justamente pela lei de que todos nós partiremos, vamos para o Nada. Ou para o paraíso?
Se formos para o paraíso reforçaremos a hipótese de que tudo é cíclico, tudo se reduz à “chegadas e partidas”. Mas, isto seria muito idealismo. Mas para o Nada também é um tédio. Nada recompensador.
A vida é, às vezes, tão sofrida, temos que nos esforçar tanto para sobrevivermos. Você tem de trabalhar, ganhar dinheiro, senão você não vive no capitalismo. Temos que vender as nossas horas do dia, para poder consumir.
Tudo o que nos cerca são produtos, produtos do capital, no entanto, também produtos culturais. Estamos rodeamos por bens de consumo. Somos materialistas. Damos valor ao objeto, atribuímos fetiches aos objetos, cultuamos.
É engraçado. Apegamos-nos tanto às coisas. Queremos dar valor de eternidade a tudo. Sendo que nem nós somos eternos. Queremos contar, contabilizar, nos agarramos tanto às datas e aos números, parece que estamos em contagem regressiva sempre.
O ser humano é dual, corpo e alma. Vive tentando se explicar, se entender. Nunca houve tanta gente procurando análise, terapia, yoga, pilates, rpg, academia. Cada um na sua “vibe”, mas procurando se compreender.
Compreender: palavra difícil. O ser humano é um ser social. Mas também é um ser egoísta, individualista ao extremo, vaidoso, orgulho. Tem ira e raiva. Tem paixões e ideais. Portanto, como se compreender?
A cada dia queremos superar. Ser melhor é condição de sobrevivência no sistema econômico no qual estamos inseridos. Ser melhor para quê? Para termos mais dinheiro, para termos mais prestígio, para termos fama?
Um dia tudo acaba. E o dinheiro continua a reinar. O seu orgulho partiu junto com você, os seus bens materiais foram divididos (em meio à quase sempre brigas). E logo ninguém mais se lembrará da sua existência.
Temos que realizar as nossas potencialidades de forma sadia e bem humorada. A busca da felicidade não pode se transformar num sonho deixado para o dia de amanhã. Aí você se pergunta: O que é a felicidade?
Cara pálida: eu não sei o que é felicidade, ninguém sabe. Ao menos tente descobrir o que te faz feliz. Cada um tem a sua individualidade – normal, sadia –, e dentro desta individualidade você deve descobrir.
Eu tento ser feliz escrevendo, dando aulas, tentando desmistificar as coisas que nos cercam, mas também tenho consciência de que isso é uma gota mínima no oceano. E um dia tudo isso se vai... ou não.
Para expressar um pouco o meu egoísmo, meu individualismo, e a minha vontade de ir contra a todas as partidas definitivas, cito um trecho do poeta surrealista (que tem um pouco a ver com essa miscelânea de hoje).
“...O puro intervalo que, de mim a esse outrem que é um amigo, mede tudo que há entre nós, a interrupção de ser que não me autoriza jamais a dispor dele, nem de meu saber dele (fosse para louvá-lo) e que, longe de impedir qualquer comunicação, nos relacionava um ao outro na diferença e às vezes no silêncio da palavra”. Maurice Blanchot, A Amizade.

Existe uma alma boa?

Ar condicionado: dá-nos a artificialidade do tempo, da temperatura. Se está frio liga se o aquecedor, se está quente liga se o ar condicionado. Nunca estamos satisfeitos. Fui à São Paulo neste final de semana, o ônibus estava ligado na “Sibéria”, e lá fora o dia estava lindo, com temperatura confortável e agradável. Fui especialmente assistir a peça de Brecht, “A alma boa de Setsuan”, no Tuca.
Não sou especialista em teatro, nem assisti a muitas peças na minha vida, mas esta para mim é especial. Bertolt Brecht foi amigo de Walter Benjamin, teórico crítico, o qual eu dedico meus dias para terminar a infinita dissertação de mestrado.
O teatro brechtiniano tem como peculiaridade o lado didático. Ou seja, “ensinar” as massas, dar ensinamento às massas para que seja possível a tomada de consciência. Outra característica é o “metateatro” (semelhante à metalinguagem) – o teatro dentro do teatro – o recurso no qual o ator dialoga com o público, como se estivesse “fora” da peça. Com este recurso é feita a síntese do pensamento apresentado.
Aqui no Brasil, a peça foi encenada priorizando o humor já apresentado no texto original de Brecht. No entanto, não vemos um humor germânico, mas sim um humor bem característico nosso. Em alguns momentos os clichês e as piadas hodiernas tomam cena, deixando um pouco menor a importância do texto original. Em vários momentos esquece-se que a peça se passa na China antiga. Mas essa pode ter sido a intenção. Trazer ao máximo para os nossos dias. Para que os ensinamentos e sugestões de Brecht pudessem ser ainda mais atuais.
Hoje, ainda temos uma massa que não tem consciência de sua função na esfera social, e cada vez menos ligada aos valores e virtudes necessárias para uma vida em harmonia.
A alma boa, única no mundo, demonstra como está cada vez mais difícil ser um SER HUMANO BOM.
Uma das sugestões que “fica no ar”, é a de que num mundo capitalista o ser humano fica ainda mais tentado a corromper-se pelo caminho do mal. Para poder sobreviver no mundo do capital, da grana, temos que passar por cima de nossos valores e virtudes? Às vezes.
É sempre fácil condenar olhando de fora, mas um vendedor de água, que tem todas as características de uma alma boa, usa uma “canequinha” furada, ou seja, é desonesto. O seu argumento é de que o mundo é cruel, e se ele não proceder assim ele não sobreviverá.
O que eu mais gostei da peça é que a alma boa, que o Santíssimo tanto procura, estava na pele de uma mulher, e ainda por cima, prostituta! Imaginem a repercussão e o sentido de vanguarda (de estar à frente) deste texto!
Muitas são as mensagens deixadas por Brecht. Todos somos iguais, homens e mulheres, todos têm virtudes e vícios. Não é fácil ser “bonzinho” e muitos querem tirar proveito sempre. E posição social não quer dizer, absolutamente, nada!
A alma boa teve que se passar por outra pessoa para não se corromper. E ainda hoje, muitas vezes, temos que se passar por outra pessoa. Nesse mundo, onde a roda gira e você nunca sabe se estará por cima ou por baixo, temos que “vender” os nossos princípios, e nos moldar segundo o ritmo. Mas a que preço? Vale a pena? Acho que não. Sempre vale mais a pena sermos autênticos e conscientes dos nossos valores e papéis na sociedade.
Podemos até sair perdendo alguma grana, mas o que não tem preço é fazer o que na sua consciência você acha o certo. Caro leitor, não se venda, assuma os riscos e multiplique o bem!