O chamado movimento dadaísta era um movimento artístico e literário com um pendor niilista, que surgiu por volta de 1916, em Zurique, acabando por se espalhar por vários países europeus e também pelos Estados Unidos. Embora se aponte 1916 como o ano em que o romeno Tristan Tzara, o alsaciano Hans Arp e os alemães Hugo Ball e Richard Huelsenbeck seguiram novas orientações artísticas. E 1924 como o final desse caminho, a verdade é que há uma discrepância destas datas, quer ao início, quer ao final deste movimento, ou como preferem os seus fundadores, desta “forma de espírito”.
O movimento Dada – os seus fundadores recusam o termo Dadaísmo já que o ismo aponta para um movimento organizado que não é o seu – surge durante e como reação à I Guerra Mundial. Os seus alicerces são os da repugnância por uma civilização que atraiçoou os homens em nome dos símbolos vazios e decadentes.
Este desespero faz com que o grande objetivo dos dadaístas seja fazer tábua rasa de toda a cultura já existente, especialmente da burguesa, substituindo-a pela loucura consciente, ignorando o sistema racional que empurrou o homem para a guerra.
Dada reivindica liberdade total e individual, é anti-regras e ideais, não reconhecendo a validade, nem do subjetivismo, nem da própria linguagem. A sua “nomenclatura” pode ser um exemplo, no qual, Dada, que Tzara diz ter encontrado ao acaso num dicionário e não significa nada. Mas ao não significar nada, significa tudo.
Estes tipos de posições paradoxais e contraditórias são características deste movimento que reclama não ter história, tradição ou método. A sua única lei é uma espécie de anarquia sentimental e intelectual que pretende atingir os dogmas da razão. Cada um dos seus gestos é um ato de polemica, de ironia mordaz, de inconformismo. É necessário ofender e subverter a sociedade. Essa subversão tem dois meios: o primeiro os próprios textos, que embora sejam concebidos como forma de intervenção direta, eram publicados nas revistas do movimento como Der Dada, Die Pleite, Der Gegner ou Der blutige Ernst, entre muitas outras. O segundo, o famoso Cabaret Voltaire, em Zurique, cujas sessões eram consideradas escandalosas pela sociedade da época verificando-se freqüentes insultos, agressões e intervenções policiais.
Não é fácil definir Dada. Os próprios dadaístas contribuem dificultando. As afirmações contraditórias não permitem um consenso já que, enquanto consideram que definir Dada era anti-Dada, tentam constantemente fazê-lo. No primeiro manifesto, Tzara, afirma, que ser contra este manifesto significa ser dadaísta (!), o que confirma a arbitrariedade e a inexistência de cânones e regras neste movimento.
Os Dada procuram dissuadir os críticos, mais do que definir algo. Jean Arp, artista plástico francês ligado ao movimento de Zurique, ridiculariza a metodologia crítica escrevendo, que não era, nem nunca seria credível qualquer história deste movimento já que, para ele não eram importantes as datas, mas sim o espírito que já existia antes do próprio nome. Além disso Tzara afirma ser contra sistemas. O sistema mais aceitável é, por princípio, não ter nenhum.
Eles, também, são conscientemente subversivos. Ridicularizam o gosto convencional e tentam deliberadamente desmantelar as artes para descobrir em que momento a criatividade e a vitalidade começam a divergir: o que é destrutivo e construtivo, frívolo e sério, artístico e anti-artístico.
Embora se tenha espalhado por quase toda a Europa, o movimento Dada tem os núcleos mais importantes em Zurique, Berlim, Colônia e Hanover. Todos eles defendem a abolição dos critérios estéticos, a destruição da cultura burguesa e da subjetividade expressionista reconhecendo, como caminhos a seguir, a dessacralização da arte e a necessidade do artista ser uma criatura do seu tempo, no entanto, há uma evolução diferenciada nestes quatro núcleos.
O núcleo de Zurique – o mais importante durante a guerra – foi muito experimentalista e provocatório, embora um pouco restrito ao círculo do Cabaret Voltaire. Deste núcleo surgem duas das mais importantes inovações dadaístas: o poema simultâneo e o poema fonético. O poema simultâneo consiste na recitação simultânea do mesmo poema em várias línguas; o poema fonético, desenvolvido por Ball, é composto unicamente por sons, com predominância de sons vocálicos. Nesta última composição a semântica é completamente posta de parte. Já que o mundo não faz sentido para os dadaístas, a linguagem também não terá de fazer.
Estes tipos de composições, juntamente com o poema visual, também assente em princípios simultâneos, e a colagem, primeiro utilizada nas artes plásticas, são as grandes inovações formais deste movimento. O grupo de Berlim, mais ativo depois da guerra, está profundamente ligado às condições socio-políticas da época. Ao contrário do núcleo de Zurique realiza intervenções politizantes, próximas da extrema esquerda, do anarquismo e da proletkult (cultura do proletariado). Apesar de tudo, os próprios Dada têm consciência da sua anarquia para aderir a um partido político e que a responsabilidade pública era inconciliável com o espírito dadaísta. Os núcleo de Colônia e Hanover são menos significativos.
Os Dada destacam-se da sociedade em que estão inseridos pela revolta, pelos valores expressos nas suas obras, pelas convicções que defendem e pelas contradições que apresentam, muitas vezes exemplo da vitalidade e humor dos criadores.
O movimento tornou-se muito popular em Paris, para onde Tzara vive depois da guerra. Na capital francesa, ao contrário de Berlim e Nova Iorque, desenvolve-se bastante no campo literário. Esta ligação foi muito importante para a gênese do surrealismo que acaba por absorver o movimento no início da década de vinte, do século XX.
As fronteiras entre os movimentos Dada e surrealista são tênues, embora se oponham. O surrealismo mergulha as suas raízes no simbolismo, enquanto Dada se aproxima mais do romantismo. O primeiro é nitidamente politizado, enquanto o segundo é, na generalidade apolítico (com exceção do grupo de Berlim).
*Este é um trecho da minha - quase lendária - dissertação de mestrado em Filosofia.
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