Ar condicionado: dá-nos a artificialidade do tempo, da temperatura. Se está frio liga se o aquecedor, se está quente liga se o ar condicionado. Nunca estamos satisfeitos. Fui à São Paulo neste final de semana, o ônibus estava ligado na “Sibéria”, e lá fora o dia estava lindo, com temperatura confortável e agradável. Fui especialmente assistir a peça de Brecht, “A alma boa de Setsuan”, no Tuca.
Não sou especialista em teatro, nem assisti a muitas peças na minha vida, mas esta para mim é especial. Bertolt Brecht foi amigo de Walter Benjamin, teórico crítico, o qual eu dedico meus dias para terminar a infinita dissertação de mestrado.
O teatro brechtiniano tem como peculiaridade o lado didático. Ou seja, “ensinar” as massas, dar ensinamento às massas para que seja possível a tomada de consciência. Outra característica é o “metateatro” (semelhante à metalinguagem) – o teatro dentro do teatro – o recurso no qual o ator dialoga com o público, como se estivesse “fora” da peça. Com este recurso é feita a síntese do pensamento apresentado.
Aqui no Brasil, a peça foi encenada priorizando o humor já apresentado no texto original de Brecht. No entanto, não vemos um humor germânico, mas sim um humor bem característico nosso. Em alguns momentos os clichês e as piadas hodiernas tomam cena, deixando um pouco menor a importância do texto original. Em vários momentos esquece-se que a peça se passa na China antiga. Mas essa pode ter sido a intenção. Trazer ao máximo para os nossos dias. Para que os ensinamentos e sugestões de Brecht pudessem ser ainda mais atuais.
Hoje, ainda temos uma massa que não tem consciência de sua função na esfera social, e cada vez menos ligada aos valores e virtudes necessárias para uma vida em harmonia.
A alma boa, única no mundo, demonstra como está cada vez mais difícil ser um SER HUMANO BOM.
Uma das sugestões que “fica no ar”, é a de que num mundo capitalista o ser humano fica ainda mais tentado a corromper-se pelo caminho do mal. Para poder sobreviver no mundo do capital, da grana, temos que passar por cima de nossos valores e virtudes? Às vezes.
É sempre fácil condenar olhando de fora, mas um vendedor de água, que tem todas as características de uma alma boa, usa uma “canequinha” furada, ou seja, é desonesto. O seu argumento é de que o mundo é cruel, e se ele não proceder assim ele não sobreviverá.
O que eu mais gostei da peça é que a alma boa, que o Santíssimo tanto procura, estava na pele de uma mulher, e ainda por cima, prostituta! Imaginem a repercussão e o sentido de vanguarda (de estar à frente) deste texto!
Muitas são as mensagens deixadas por Brecht. Todos somos iguais, homens e mulheres, todos têm virtudes e vícios. Não é fácil ser “bonzinho” e muitos querem tirar proveito sempre. E posição social não quer dizer, absolutamente, nada!
A alma boa teve que se passar por outra pessoa para não se corromper. E ainda hoje, muitas vezes, temos que se passar por outra pessoa. Nesse mundo, onde a roda gira e você nunca sabe se estará por cima ou por baixo, temos que “vender” os nossos princípios, e nos moldar segundo o ritmo. Mas a que preço? Vale a pena? Acho que não. Sempre vale mais a pena sermos autênticos e conscientes dos nossos valores e papéis na sociedade.
Podemos até sair perdendo alguma grana, mas o que não tem preço é fazer o que na sua consciência você acha o certo. Caro leitor, não se venda, assuma os riscos e multiplique o bem!
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Um comentário:
Isso me lembrou do dramaturgo (a personagem) no filme "Das Leben der Anderen". Após o seu suicídio, o protagonista (um escritor de teatro), executa no piano "Die Sonate vom gutten Mensch"... A alma boa no filme acaba sendo o oficial burocrata que se redime... hehehe...
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